quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Missionary Man - Day 3

Após uma noite estranha, com o ar condicionado a fazer o barulho de um helicóptero, a ventoinha do tecto descrevendo elipses e a chuva lá fora a cair como gente grande, acordei bem cedo para um banho de água fria, na verdade, a única disponível... Eu até aguento-me bem à agua fria... mas esta corre lentamente, muito lentamente e sem pressão, por um chuveiro ferrugento... Lembrei-me então dos banhos de balde que tomava na Indonésia, e isto já não parecia tão mau... Pelo menos não tenho que atirar o balde ao poço vezes sem conta até trazer a agua. Já interiorizei a lavagem dos dentes com água de garrafa... é estranho, mas tem que ser.

Pequeno almoço... feijões... e omelete... e uma coisa panada meia doce que não sei o que era, e chá... sem comentários. Já me habituei a fintar as formigas no açucareiro, e as que não finto, vêm beber chá comigo. Neste aspecto, já me deixei de m... ariquices.

Esta tudo completamente enlameado. A caminho do hospital vejo dezenas de pessoas a circular nas ruas, procurando os pontos mais secos, enquanto as crianças chapinham nas poças. As crianças são iguais em todo o lado. Dêem-lhes água, que elas agradecem. Não quero imaginar como terá sido a chuvada nas palhotas...

Hospital. Recebi a minha luz frontal que tanto falta fazia e os óculos de proteção. Pelo menos já consigo ver o fundo das feridas com um pouco mais de claridade e escuso de levar com esguichos de sangue nos olhos... Faz diferença. Operamos os 3 casos programados de ontem, mais um regresso ao bloco para o segundo tempo de uma cirurgia cuja decisão tinha deixado para hoje porque precisava de estudar a melhor opção, mais um baleado desta noite e pelo meio uns pés mordidos por ratos... Indiscritível. 

Estudar é mesmo a única opção em alguns destes casos. A maioria destas lesões, no mundo ocidental seria tratada por equipas de super especialistas de diversas áreas... aqui... sou eu, e hoje, dou graças a Deus pelo tempo que dediquei à cirurgia plástica e à ortopedia... Algumas das técnicas seriam quase impossíveis de realizar sem um mínimo de treino prévio. Provavelmente com o passar do tempo e com a experiência, já não precisarei de recorrer, tanto ás bíblias... não será para já garantidamente... Mas a tecnologia é mesmo incrível, trouxe no ipad uma biblioteca com cerca de 60 livros... Cujo peso total se fossem em papel aproxima-se dos 150 Kg !!! Já para não falar do volume que ocuparia. O trabalho humanitário está a evoluir... felizmente, e por isso mais logo consigo fazer o upload desta crónica... Via satélite :)

Acabámos já perto das 16h... tempo para ir comer qualquer coisa. Optámos pelo "hotel canal"... Chamar hotéis a estes sítios é um pouco abuso... Mas aqui ninguém liga, é um sítio para comer, e a fome é negra. Peixe frito com couve e ukali (basicamente farinha com agua numa argamassa consistente que ganha o sabor do molho que levar por cima)... Imagino que o peixe seja do Nilo... Nem quero pensar se não for...

Pelo caminho de volta, paragem numa mini, mini, mini, mercearia. As coisas que se vendem e encontram por aqui, são incríveis. Comprei Red Bull, Coca-Cola, sumo de goiaba, cereais e pastilhas... 99 ssp ( South Sudanese Pounds) cerca de 30 dólares. É caro, mas logo à noite e amanha de manha vai saber mesmo bem, porque amanha de manha, voamos de helicóptero para Dorein, e por aquilo que me contam... The best is yet to come :)


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