quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Missionary Man - Day 10

Os dias já estão de alguma forma rotinados. Cirurgias durante a manha, visita aos doentes internados, pensos, e depois do almoço tentativa de descanso...

Ontem fomos explorar o rio que passa relativamente perto. Meia hora de caminho para lá e um pouco mais no regresso. Pelo caminho, alguns aglomerados de palhotas, pequenas famílias, muitas ossadas de antílopes (guiriguirit na linguagem local), pegadas de hienas (gudul) . Políticas à parte, este povo é simpático, sorridente, e vive a sua vida indiferente ao que se passa no mundo. 

As condições de trabalho continuam difíceis, mas não impossíveis. Começo a admirar a capacidade de adaptação dos seres humanos... e a minha própria por sinal. A prova disso foi o "incidente" da noite passada.

Mantenho com as formigas e restantes insectos uma relação de respeito mutuo... elas não me incomodam, eu não as chateio... Pelo menos era assim...

Ontem deitei-me cedo como de costume. É impressionante como o cansaço acumulado e a ausência de televisão rapidamente nos remetem para os bons hábitos ancestrais. Por volta da meia noite e meia, uma pequena comichão no pescoço, e depois na perna, e depois nos braços e depois na barriga e achei que algo não devia estar bem. Acendi a lanterna e nem quero imaginar a cara que terei feito. As formigas entravam na tenda por todos os orifícios que eu achei não existir. Pelo chão e pelo tecto, circulavam como se de uma auto-estrada de tratasse. Formigas em todo o lado... Caiam do tecto como se estivesse a chover formigas.

Na minha cabeça, em segundos, comecei a equacionar as opções possíveis. Despir-me totalmente, sair da tenda e expor-me aos mosquitos, vestir o que faltava, mesmo com formigas, e enfrentar a guerra com alguma dignidade, incinerar tudo (a minha opção preferida)...

Não levei muito tempo a perceber que a dignidade era importante. A incineração teria efeitos secundários difíceis de prever. Vesti as calças, abri a rede mosquiteira e caíram mais umas centenas de formigas para dentro da tenda, imediatamente comecei a ser atacado em força, agarrei a lanterna, a garrafa de agua, o saco cama, e sai para a rua tentando calçar as botas pelo caminho para não enterrar os pés na lama...

Guerra é guerra ! Sacudi-me durante uns minutos, muitos, e voltei à carga com insecticida em dose mata cavalos. Pelo meio, algumas baixas colaterais de pequenos grilos, moscas, os pequenos sapos cá fora e outros bichos afins...

Fechei a tenda e uma vez que estamos lotados em termos de tendas, optei por arrastar-me para o bloco operatório. A lua cheia ajudou a percorrer os cerca de duzentos metros que separam o acampamento do hospital. Pelo caminho passei na tenda de armazém e levei uma maca. Instalei-me no chão, ao lado da marquesa cirúrgica, com sacos de soro fisiológico a fazer de almofada... E no entretanto começou a chover torrencialmente, o que foi bom para perceber que o bloco não é impermeável. Obviamente a noite foi péssima. Inesquecível, mas péssima.

Pela manha voltei ao acampamento. O caminho agora era de lama, muita lama. A minha tenda parecia um campo de batalha após uma descarga de napalm. Precisava de um banho a serio, mas o caminho para o duche estava completamente enlameado... Portanto fui de toalha e galochas tomar duche... Enquanto a chuva continuava a cair, o que fez-me tomar banho, antes durante e depois do duche, de forma continua. Começo a achar que o convívio com a Ketamina começa a afectar-me. Senti-me em perfeito estado dissociativo... Tipo, isto tudo é uma grande porra... mas eu até não me importo.

Não me deixei abater. A moral esta em alta, provavelmente porque estamos a aguardar o helicóptero que nos vem render, hoje, possivelmente, se o tempo melhorar. Portanto estou a sonhar com uma noite entre paredes de tijolo, se tudo correr bem... Caso contrário... Bem... Ainda não pensei nisso. Pelo sim pelo não vou mudar os lençóis da marquesa cirúrgica...

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