quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Coronavirus e porque vamos todos morrer...

Basta um título sensacionalista para enganar o povo.
Sim, vamos todos morrer... um dia. E isto, porque aparentemente e até hoje, nunca ninguém sobreviveu à própria vida, mas não me parece que vamos todos morrer com o coronavirus.


Diariamente tenho visto os meios de (des)comunicação social num verdadeiro e incauto festim de alarmismo público à conta deste coronavirus. Imagino que os mesmos não façam a menor ideia do mal que estão a causar e ainda não vi nenhum esforço para acalmar as hostes. Estamos no limiar do ridículo e não há ninguém que se atreva a dizer que o rei vai nu.

Pior, a comunicação social ainda não percebeu que à sua conta os politicos estão a ser pressionados a tomar decisões estúpidas para não parecer que não fizeram nada...

Caro e incauto leitor atraído a este blog pelo titulo sensacionalista, aqui fica a minha mensagem: Todos os anos os virus relacionados com a gripe viajam de este para oeste, a partir da Ásia, para a Austrália, Europa, África, América do norte e América do sul... e é assim TODOS OS ANOS !

TODOS OS ANOS os virus da gripe infectam entre de 5% a 15% da população mundial, com cerca de 3 a 5 milhões de infecções graves e cerca de 500.000 mortos !!! TODOS OS ANOS temos uma PANDEMIA ! SIM ! VERDADE !

No ano passado, 3.000 pessoas morreram em Portugal devido à gripe, 11.000 pessoas morreram em Itália, e nos últimos 5 anos, 85.000 pessoas morreram no Reino Unido... devido à gripe !!!

Aconselho vivamente a olhar para a letalidade de virus comparáveis... 
MERS - 34%
SARS - 10%
Gripe 1918 - 2.5%
Covid-19 - 2.3%

Mas poderão dizer... 2.3% ainda é um valor alto. Sim é verdade, e de facto a mortalidade só pode ser calculada após o final da epidemia... mas é tudo uma questão de fazer contas e apresentar os resultados de forma compreensível, senão vejamos:

A cidade de Wuhan, epicentro da infecção tem cerca de 11 milhões de habitantes, e até agora registaram-se cerca de 78.000 casos, ou seja 0.7% da população, sim, leram bem, basta fazer as contas. Agora olhemos para a população chinesa... 1.4 mil milhões de pessoas... e 78.000 casos... logo, 0.06% da população foi infectada, e já lá vão 3 meses de surto.

De facto a mortalidade em pessoas mais idosas (acima de 80 anos) é relativamente elevada e ronda os 14.8%, mas atenção porque este número quer dizer que se a pessoa for infectada tem esta probabilidade de morrer... Acontece que se eu viver em Wuhan, no epicentro da epidemia, tenho 0.7% de probabilidade de me infectar e, se me infectar, tenho 14.8% probabilidade de morrer, se tiver mais de 80 anos. Ou seja uma pessoa de 80 anos em Wuhan tem 0.1% de probabilidade de morrer devido ao coronavirus (0.7% x 14.8%). Agora façam as contas para as outras faixas etárias, e imaginem que não estão no epicentro... porque de facto, não estão !

Meus senhores, sim vai ser uma pandemia, como todos os anos, e não, não vale a pena fazer nada de diferente em relação ao que já devíamos fazer todos os dias, isto é medidas de higiene básica, como lavar as mãos com frequência e proteger a boca com um lenço quando espirramos. E sim, a esmagadora maioria das pessoas infectadas vai ter aquilo que tradicionalmente chamamos uma constipação, e sim, muita gente nem vai perceber que já tem o virus.

Portanto, como eu costumo dizer, vale pelo esforço, e à conta disto estamos a testar mecanismos que um dia podem vir a ser necessários para algo sério, mas dito isto queria lançar um repto à comunicação social... se querem mesmo continuar por este caminho, recomendo que no próximo inverno comecem a seguir a propagação do virus da gripe a partir do sudoeste asiático, entrevistem todos os portugueses que se constiparem no estrangeiro, e já agora passem o contacto ao nosso PR e MNE para também poderem mostrar a sua solidariedade e enviar uns lenços de papel e umas aspirinas para a febre. Contabilizem diariamente a mortalidade  e verão uma realidade que aparentemente desconhecem. Como dizem os ingleses... deixem-se de merdas e façam parte da solução em vez de fazer parte do problema.





sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

A eutanásia, o homem e o médico

Preferia mil vezes não ter que escrever este texto, e só o faço porque o tema toca algo que considero um direito pessoal e intransmissível, a vida humana e a sua dignidade.

É importante começar por dizer que esta é uma questão de carácter filosófico, e como todas as questões filosóficas, podemos todos argumentar, mas não há certo nem errado. Há apenas opiniões, mais ou menos sustentadas num quadro de crenças, valores e conhecimento de causa.

É indiscutível o facto de que viver é uma opção. Qualquer pessoa pode optar por terminar a vida, quando bem entender e da forma que entender, sem que para isso tenha que pedir autorização ao estado. Da mesma forma, o estado não pode condenar essa decisão. Que ridículo seria um texto legal com a seguinte forma: "Pelo crime de suicídio, o réu é sentenciado a 2 anos de prisão".

Partindo portanto do pressuposto de que a opção de viver é pessoal, e por inerência, também o direito à morte, coloca-se aqui a questão do papel do médico. Ora os médicos são seres humanos tal como os doentes, e são todos diferentes entre si, tal como os doentes. Dito isto, aquilo que aqui escrevo, é a minha opinião pessoal como médico, num país onde a liberdade de expressão ainda é possível.

Serei contra a eutanásia, no dia em que toda as patologias tiverem cura. Até lá, acredito que, no quadro clínico adequado, a vontade do indivíduo na posse de todas as suas faculdades mentais deve ser respeitada.

Infelizmente, e falo por experiência própria, eu e outros médicos, somos confrontado com inúmeras situações nas quais, por doença ou traumatismo, a qualidade de vida e a dignidade humana ultrapassaram o limiar do tolerável para esse mesmo indivíduo.

Viver sem dignidade, sem qualidade de vida e talvez o mais importante, sem esperança, acreditem, é uma forma de tortura que não desejo a ninguém. Estar preso a uma vida que nada acrescenta, que não tem melhora possível, e que se degrada a cada dia, é uma dor que apenas poderá ser descrita como indiscritível.

Enquanto médico, jurei respeitar a vida e aliviar o sofrimento. Mas o que fazer quando não podemos atender aos dois em simultâneo ? O que fazer quando a medicina nada mais tem a oferecer e o doente pede para acabar com a tortura ? E se o pedido vier de alguém que amamos muito ? E se for aquele doente com quem temos o privilégio de uma relação aberta, franca, e de total confiança ? E se o doente formos nós próprios, médicos, conhecedores do que nos espera... ? Vamos obrigar a pessoa a um sofrimento para o qual não temos solução ? em nome do quê ???

Acredito piamente, que obrigar alguém a viver contra a sua vontade, num cenário sem opções, devia ser um crime, tal como a tortura o é, mas infelizmente, a nossa herança judaico-cristã (que, diga-se de passagem, tanto torturou no passado), na melhor das hipóteses, tolda-nos o pensamento. Somos quem somos, fruto da nossa cultura e referenciais de valores. 

Talvez porque decidi dedicar a minha vida à causa humanitária, tenho o privilégio de ser constantemente exposto a outras formas de ver a vida, o sofrimento e a morte. Acho que dar a opção de uma morte digna quando nada mais há a fazer, e é a vontade expressa pelo doente, é revelador de uma sociedade evoluída que se preocupa com os seus cidadãos. 

Não tenho filiação partidária nem clubista. Não posso, nem nunca ousaria falar por todos os médicos. Tenho bons colegas e amigos, excelentes profissionais que muito prezo, que não concordam comigo, mas como comecei por dizer, pode não haver certo nem errado, mas é importante que haja, o direito de optar.