terça-feira, 2 de abril de 2013

Dancin Days

Bem sei que o tema pode não ser do agrado de muita gente, mas ao fim de tantos anos com isto entalado na garganta, sou obrigado a dissertar sobre o tema, sob o risco de, se não o fizesse, a minha consciência se revoltar e cometer um qualquer acto dito inconsciente contra a minha própria pessoa.

O tema do dia é a chamada "Ficção Nacional". Sob esta designação estão abrangidas todas as séries, novelas e similares, supostamente ficcionadas em Portugal. O "Dancin Days" para quem anda menos atento, é uma novela. Mais concretamente é uma telenovela da SIC, que não foi originalmente ficcionada em Portugal, mas sim no Brasil, e agora, numa onda de revivalismo, lembraram-se de fazer uma versão mais adaptada aos tempos modernos.

Cá em casa, as miúdas seguem o Dancin Days. Podia ser pior, eu sei. O enredo é qualquer coisa tão enrolada, tão enrolada, mas tão enrolada, que é possível perder 10 episódios seguidos e ainda assim tudo continua mais ou menos na mesma.

Enquanto elemento de agregação familiar, a novela realmente funciona. Durante aqueles minutos, as miúdas interrogam, questionam, tiram as suas conclusões, e estranhamente vão percebendo qualquer coisa sobre a natureza humana, nomeadamente os temas recorrentes das "Ficção Nacional", a inveja, o ciume, a aldrabice, o dinheiro, e os pequenos almoços com a família toda reunida à mesa com croissants e sumo de laranja natural no jarro, algo que realmente só pode pertencer ao domínio da ficção, mas enfim... Acontece que à falta do "Vitinho" ou do "Topo Gigio", o fim da novela coincide com a hora de irem para a cama sem discussões, argumentações ou birras. Neste sentido, a novela ajuda. Acabou a novela, cama !

Ora, acontece que sou muitas vezes arrastado para o sofá à hora da novela. Para todos os efeitos, é um tempo para não pensar em nada e simplesmente desfrutar da companhia, ao mesmo tempo que vou displicentemente coçando as costas de uma ou de outra, como se de uma família de orangotangos se tratasse.

Em resumo, não tenho nada contra a ficção nacional, mas o que me tira do sério é a falta de rigor! A obra até pode ser ficcionada, mas por favor, tenham algum rigor naquilo que fazem ou dizem ou tentam representar. é que ficção é uma coisa e rigor é outra.

Então o que aconteceu ontem, no episódio 208 foi isto...
Um homem teve um acidente numa avioneta e está internado no hospital.

A certa altura a suposta médica é chamada ao quarto para avaliar o doente e imediatamente verifica a posição dos eléctrodos colados no peito. Eu nem queria acreditar, ali estavam os 3 eléctrodos a 10 cm de distancia uns dos outros! Imagino que o fizeram para caber tudo no mesmo plano, mas por amor de Deus  podiam afastar mais um bocadinho, é que se retirássemos o homem e colocássemos um recém-nascido no mesmo local, os eléctrodos estavam perfeitos.

Logo a seguir, diz a suposta enfermeira: "Dra, está com 35 batimentos por minuto!" Esbocei um sorriso... só quem nunca esteve num hospital é que diria a frase desta forma... é tipo chegar à bomba de gasolina e dizer à Sra da caixa: " Minha senhora, preciso de reabastecer o depósito da minha viatura que se encontra ali parcada, e agradecia que me disponibilizasse combustível aditivado sem chumbo 95, no valor monetário de 30 euros".

Isto já estava a correr bem, quando a médica então responde: "2 mg de Lorazepam!" Ui ! um dos meus neurónios da sabedoria quinou-se logo ali, zás. Senti um arrepio na espinha. Lorazepam é nada mais nada menos que o conhecido Lorenin, uma droga que se usa para "acalmar os nervos"! Numa bradicárdia (coração a bater devagar) o homem precisava de tudo menos Lorazepam ! Sai um Lorenin para mim...

Segue para bingo, olha para o monitor e diz: "Não está a reagir, vamos usar o defibrilhador, rápido !" Aqui, eu entrei em fibrilhação !!! O monitor, mostra um gajo em ritmo sinusal com uma frequência garantidamente a cima de 35 e com Saturações de 94%... e ela prepara-se para chocar ! Eu já estava em choque ! Dito e feito, a enfermeira toca de ligar o desfibrilhador, esfrega as pás uma na outra (Oh My God) e zumba choque no homem!

Obviamente o ritmo sinusal passou a linha isoeléctrica ! Ela acaba de o matar ! Mas como as alarvidades vêm em bando, a seguir, já em linha isoeléctrica, espeta-lhe mais 100 Joules ! Ou seja, não só chocou um ritmo que não é desfibrilhável, como a seguir consegue chocar a própria ausência de ritmo (apesar de continuar com saturações de 95%). Isto para os médicos e enfermeiros é óbvio, mas para os leitores fora desta esfera eu faço uma analogia. Imaginem que num determinado episódio da novela, assistiam a uma operação STOP. Um GNR solícito, aproxima-se da viatura, bate a pala e diz: " bom dia sr condutor ! o extracto do seu crédito à habitação se faz favor !" Ao que o condutor responderia, mas eu só tenho aqui a conta do gaz! Responde o GNR, pois, isso não serve, mas se tiver a conta da água podemos extrapolar!" Percebem ??? Chama-se non sense !

A coisa estava portanto preta, e a esperta da médica resolve então mudar de estratégia... como a coisa não está a funcionar diz assim: " vamos tentar a reanimação manual ! " LOL ! Agora passamos da reanimação automática para a manual ! Toca a por as mãos no peito do rapaz e começa a empurrar...
Neste momento, os milhares de Portugueses que por esta altura já fizeram um curso de Suporte Básico de Vida estão todos dados como estúpidos... mas é neste momento que eu reparo na imagem que me deixou completamente K.O. Então não é que o homem tem a boca enfaixada !!! Se a médica não o matasse, morria asfixiado !!! e como quem não quer a coisa, ainda espetaram na testa do dito cujo uns eléctrodos de monitorização da profundidade anestésica (aquela fita branca e azul)... algo que não tem absolutamente nada a haver com o cenário ! Eh pá ! Desta vez abusaram !!!

Eu espero que alguém da "Sociedade Produtora de Televisão - SPT" tenha a oportunidade de ler isto... O pessoal até vê a novela, mas por favor... um pouco de rigor não custa nada. Não só há pessoal de saúde que vê isto, como há cada vez mais pessoas a saber um mínimo de SBV - Suporte Básico de Vida, e isto que os senhores mostram já não é só ficção nacional... é verdadeira ficção cientifica!

Não há necessidade... contratem um médico para dar uns palpites... estamos ao preço da "uva mijona" :)