sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Missionary Man - Day 18

Sexta-feira.
Regressámos a Dorain há dois dias. Um dia antes do previsto, porque a equipa que viemos render terminou a sua missão no Sudão. Em Bor deixei doentes recém-operados que me deixam algumas preocupações. Tenho tentado coordenar com o pessoal local o follow-up mas a ligação por satélite tem dias bons e dias maus. Estou a tentar que me enviem por email algumas radiografias, para controle pós-op... Apesar do hospital não ter RX, o contingente Coreano da UNMISS tem radiografia digital, e sempre que posso socorro-me da sua tecnologia.

O regresso correu melhor do que eu esperava. Não há grandes alterações a nível habitacional. Parece que a praga das formigas está parcialmente controlada. Aparentemente, com a fumigação dos ninhos das formigas vermelhas, tornámos as formigas pretas na espécie dominante. Estas são maiores e não passam nos buracos da rede mosquiteira. Criaram-se algumas clareiras à volta do campo. O mato limpo, atrai menos gafanhotos, e consequentemente menos formigas, que os comem como se não houvesse amanhã. Pela primeira vez, vi cobras no acampamento. No primeiro dia, tivemos que nos livrar de duas que estavam a circular junto ás tendas. As trincheiras à volta das tendas, criadas para escorrer a água das chuvas, estão cheias de ovos de sapos... aos milhares... daqui a dia vamos ter girinos. Nem quero imaginar. O barulho dos sapos durante a noite actualmente já é ensurdecedor, obrigando a maioria das pessoas a dormir com tampões nos ouvidos.

No hospital, boas notícias. Os doentes que tinha operado antes de ir para Bor já quase todos tiveram alta. Não deixo de me impressionar com a resistência desta gente, perante condições de esterilização mínimas, e moscas a voar e pousar durante a cirurgia.

Ainda tenho alguns doentes com feridas enormes a granular espantosamente apenas com pensos de açúcar puro !!! E quando cheira a pseudomonas... Penso com vinagre. Estou espantado com os resultados, de tal forma que hoje já programei vários enxertos de pele para segunda feira por forma a dar por terminadas as hostilidades. Uma avó cuja neta, com apenas 8 anos, precisa de múltiplos enxertos na sequência de uma infecção por mordedura de cobra, pediu-me se podia ser ela a doar a pele à criança... Fiquei sem palavras... A miúda é a primeira da minha lista de segunda-feira.

Tenho saudades de correr. Muitas saudades. Há um mês que não corro. Faz-me falta. O corpo pede e acho que como perdi peso, sinto ainda mais a necessidade. Aqui, ora esta demasiado calor, ora está tudo enlameado. Além do mais se começasse a correr o mais provável era ninguém perceber a razão e de repente ia ter não sei quantos Murleys a correr atras de mim. Vou deixar as corridas para o Kosovo... Já daqui a 15 dias. Ja sei que a recuperação vai ser lenta... mas aparentemente vou ter condições... A ver se faço boa figura na São Silvestre deste ano.

De resto, acho que já estou completamente adaptado. Não me faz confusão ir para o duche de galochas. Despir e vestir apenas com um pé no chão. Ter os sapos e os gafanhotos a saltar contra as pernas enquanto estou a ensaboar-me. Encher a tenda de insecticida antes de entrar. Sentir os lagartos sobre a tenda durante a noite. Entrar no bloco, matar tudo o que voa com insecticida, e depois limpar as prateleiras com tudo o que cai morto. Encher-me de repelente ao nascer e ao por do sol... alias a este propósito, já lhe chamam o "ICRC standard perfum" ! Cheiramos todos ao mesmo.

Hoje acordei com os gritos de uma mulher em trabalho de parto. Uma das minhas enfermeiras que é também parteira veio dizer-me que provavelmente teríamos de fazer uma cesariana de emergência. Colo dilatado, 8 cm, não se palpa a cabeça... Bebe aparentemente bem. Optámos por fazer oxitocina. Bem dita oxitocina. Enquanto operava o primeiro da manhã, ouvi o choro do recém nascido por trás da divisória. Uma cesariana nestas condições... enfim. No intervalo da cirurgia fomos ver os dois, mãe e filho. Perguntei pelo nome da criança... "doctor", disse ela, ao que eu questionei "doctor" ?? Resposta da mãe em Murley...iiiii..."doctor nelson" !!! Ganhei o dia.



sábado, 24 de agosto de 2013

Missionary Man - Day 12

Sábado. De volta a Bor...mas infelizmente vai ser uma curta estadia. Já temos ordem de regresso a Dorain na quarta feira.

Ontem à tarde ainda deu para descansar um pouco numa cama com colchão, num quarto com ar condicionado, depois de um duche numa casa de banho com torneiras. Ao fim do dia, uma pequena "festa" com o pessoal do WFP, deu para matar saudades de uma cerveja fresca e comida não enlatada. Já percebi que tanto quanto possível os expatriados (ExPats) tentam manter rotinas que criam a ilusão de não estarmos perdidos no meio de África.

De manhã cedo fomos passar visita aos doentes internados... 3h para percorrer uma enfermaria com dezenas de doentes. Alguns pensos e mais meia dúzia de cirurgias marcadas para segunda e terça feira. Já olho para esta enfermaria com camas a desfazer-se, sem luz e quase sem paredes, como se fosse a coisa mais natural deste mundo... a adaptação é um processo fantástico. Afinal, ao contrário do que estávamos a prever, não vai haver muito tempo para recuperar de Dorain, antes de voltar para Dorain. Mais uma semana na selva, para pagar os meus pecados.

Logo à noite, parece que há uma festa de despedida de algum pessoal da UNMISS... Prometem barbecue, e eu já estou por tudo. Há que aproveitar enquanto se pode. Se tudo correr bem e não houver emergências, vou tentar dormir um pouco esta tarde e tentar fazer o mínimo amanhã. A semana vai ser de dureza outra vez.

A minha enfermeira de enfermaria diz que eu devo ser "juicy" porque tenho os braços cravejados de picadas de mosquitos e outros afins... Eles lá sabem o que é bom ! Aproveitem porque depois vou-me embora, e não há mais :)

A moral continua em alta e o nosso lema agora, é originário de um filme clássico dos Monty Python - a Vida de Brian. Quando as coisas começam a complicar-se... Abrimos os braços e cantarolamos "Always look on the bright side of life"... http://youtu.be/SJUhlRoBL8M

Este calor está a fazer-me mal à cabeça...

Missionary Man - Day 11

Ontem não houve rendição. As más condições atmosféricas em Bor impediram o helicóptero de levantar. Ganhámos um dia extra na selva.

As formigas amigas das outras da ultima noite perceberam a minha mensagem estilo napalm. Deram-me tréguas esta noite. Mas tive o despertador ligado para garantir uma nova dose de insecticida na tenda a cada duas horas. Dormir assim é no mínimo estranho...

Estamos no pico da estação das chuvas, numa região infestada de malária. Apesar da profilaxia e de todos os cuidados, estes mosquitos fazem-se desentendidos. Após uma semana, é inevitável não levar umas quantas ferroadas. Já perdi a conta, principalmente nas mãos. Tenho fé no Malarone... Mas faz-nos pensar... O período de incubação mínimo são 2 semanas... Pode ser que me safe.

Já na equipa do MSF, esta noite houve uma "baixa"... Febre, cefaleias, náuseas, vómitos, diarreia, artralgias, astenia intensa... só faltava um rótulo na testa a dizer Malária. Iniciámos o tratamento. Vamos evacuar para Juba. Este acampamento é provavelmente um dos piores locais imaginários para viver os primeiros 3 dias da doença. Na minha equipa já quase toda a gente teve malária nos últimos anos. A descrição da minha anestesista é reveladora... "No primeiro dia, tens medo de morrer... ao fim do segundo dia, tens medo de não morrer e continuar assim". Prefiro não saber.

Pequeno almoço tomado. Mochila feita. Aguardamos a chegada da rendição para passar os doente internados... 13 no total... mais uns quantos em ambulatório.

14h. O som do helicóptero ouve-se a quilómetros de distancia. Percebo agora a sensação dos que são resgatados no meio do nada. Ouvir este som a aproximar-se é música para os ouvidos. Já há vários anos que não voava num EC 155 Dauphin, desde os tempo do OST em Plymouth, onde as aterragens eram feitas à noite, em navios em andamento em pleno mar do norte. A grande diferença era que nessa altura envergava um fato de sobrevivência no caso de cairmos à agua, e aqui vou de manga curta :)  Estes pássaros são lindos...

Para trás deixo o meu inestimável instrumentista que agora irá acompanhar a nova equipa, que entretanto chegou desfalcada. Tanto quanto sei, o nosso reforço vem directamente do Canadá e já deve estar em Juba. Amanhã é outra vez dia de cirurgias e quando as equipas são de quatro, uma baixa torna-nos inop.

Já estou outra vez a sonhar com uma cama ou um colchão entre 4 paredes, lençóis, uma casa de banho... Não deixo de me surpreender com as coisas que valorizamos quando estamos no meio do mato... e eu não estou propriamente a regressar à civilização... Estou apenas a regressar a uma "cidade" que não tem ruas asfaltadas nem electricidade nem esgotos nem água canalizada... mas sabe tão bem !!!

Einstein tinha mesmo razão. Tudo na vida é relativo...






quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Missionary Man - Day 10

Os dias já estão de alguma forma rotinados. Cirurgias durante a manha, visita aos doentes internados, pensos, e depois do almoço tentativa de descanso...

Ontem fomos explorar o rio que passa relativamente perto. Meia hora de caminho para lá e um pouco mais no regresso. Pelo caminho, alguns aglomerados de palhotas, pequenas famílias, muitas ossadas de antílopes (guiriguirit na linguagem local), pegadas de hienas (gudul) . Políticas à parte, este povo é simpático, sorridente, e vive a sua vida indiferente ao que se passa no mundo. 

As condições de trabalho continuam difíceis, mas não impossíveis. Começo a admirar a capacidade de adaptação dos seres humanos... e a minha própria por sinal. A prova disso foi o "incidente" da noite passada.

Mantenho com as formigas e restantes insectos uma relação de respeito mutuo... elas não me incomodam, eu não as chateio... Pelo menos era assim...

Ontem deitei-me cedo como de costume. É impressionante como o cansaço acumulado e a ausência de televisão rapidamente nos remetem para os bons hábitos ancestrais. Por volta da meia noite e meia, uma pequena comichão no pescoço, e depois na perna, e depois nos braços e depois na barriga e achei que algo não devia estar bem. Acendi a lanterna e nem quero imaginar a cara que terei feito. As formigas entravam na tenda por todos os orifícios que eu achei não existir. Pelo chão e pelo tecto, circulavam como se de uma auto-estrada de tratasse. Formigas em todo o lado... Caiam do tecto como se estivesse a chover formigas.

Na minha cabeça, em segundos, comecei a equacionar as opções possíveis. Despir-me totalmente, sair da tenda e expor-me aos mosquitos, vestir o que faltava, mesmo com formigas, e enfrentar a guerra com alguma dignidade, incinerar tudo (a minha opção preferida)...

Não levei muito tempo a perceber que a dignidade era importante. A incineração teria efeitos secundários difíceis de prever. Vesti as calças, abri a rede mosquiteira e caíram mais umas centenas de formigas para dentro da tenda, imediatamente comecei a ser atacado em força, agarrei a lanterna, a garrafa de agua, o saco cama, e sai para a rua tentando calçar as botas pelo caminho para não enterrar os pés na lama...

Guerra é guerra ! Sacudi-me durante uns minutos, muitos, e voltei à carga com insecticida em dose mata cavalos. Pelo meio, algumas baixas colaterais de pequenos grilos, moscas, os pequenos sapos cá fora e outros bichos afins...

Fechei a tenda e uma vez que estamos lotados em termos de tendas, optei por arrastar-me para o bloco operatório. A lua cheia ajudou a percorrer os cerca de duzentos metros que separam o acampamento do hospital. Pelo caminho passei na tenda de armazém e levei uma maca. Instalei-me no chão, ao lado da marquesa cirúrgica, com sacos de soro fisiológico a fazer de almofada... E no entretanto começou a chover torrencialmente, o que foi bom para perceber que o bloco não é impermeável. Obviamente a noite foi péssima. Inesquecível, mas péssima.

Pela manha voltei ao acampamento. O caminho agora era de lama, muita lama. A minha tenda parecia um campo de batalha após uma descarga de napalm. Precisava de um banho a serio, mas o caminho para o duche estava completamente enlameado... Portanto fui de toalha e galochas tomar duche... Enquanto a chuva continuava a cair, o que fez-me tomar banho, antes durante e depois do duche, de forma continua. Começo a achar que o convívio com a Ketamina começa a afectar-me. Senti-me em perfeito estado dissociativo... Tipo, isto tudo é uma grande porra... mas eu até não me importo.

Não me deixei abater. A moral esta em alta, provavelmente porque estamos a aguardar o helicóptero que nos vem render, hoje, possivelmente, se o tempo melhorar. Portanto estou a sonhar com uma noite entre paredes de tijolo, se tudo correr bem... Caso contrário... Bem... Ainda não pensei nisso. Pelo sim pelo não vou mudar os lençóis da marquesa cirúrgica...

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Missionary Man - Day 7

Mais uma noite tranquila.
Houve um funeral ao fim da tarde, as hienas perceberam e andaram por ai. Pela manha, um bando de abutres sobre as nossas cabeças... foi assim o dia todo. Cheira-lhes a morte. Tenho que os fotografar um destes dias.

Visita matinal à enfermaria. Algumas decisões clinicas, algumas altas, um penso com anestesia numa criança mordida por uma cobra... Alguns doentes novos para operar amanha de manha.
As mulheres desta etnia, têm desde tenra idade a pele marcada com desenhos fantásticos, padrões geométricos, que tiram partido do facto da pele frequentemente fazer queloides quando arranhada. Na cara, no tórax e no abdómen tenho visto verdadeiras obras de arte. Estamos tão longe desta realidade... e ao mesmo tempo tão perto. Já temos gerador e concentrador de oxigénio, um luxo, que debita 5 litros por minuto ! Ainda não ha ventoinha... portanto opera-se pela fresca.

O dia foi calmo. Choveu torrencialmente. Quando chove assim, nem os doentes aparecem.
Chegou mais um helicóptero. Na carga, a minha segunda dose da vacina contra a raiva. Deve estar a funcionar, porque não sinto raiva nenhuma.

Deu para dormitar um pouco à tarde. Se nos abstrair-mos do ruído da chuva a bater no tecto, torna-se fácil adormecer... e sonhar.

Ao fim do dia, trocam-se experiências de outras paragens. Sou sem duvida o que tem o currículo mais curto. Yemen, Tchad, Cambodja, Mali, Paquistão... a lista é longa, demasiado longa e há tanta gente a precisar... começo a compreender melhor esta tribo dos que andam pelo mundo em enfermarias sem paredes e hospitais que funcionam com geradores. Pergunto pelas famílias, e todos são unanimes, é um trabalho, como outro qualquer, há quem passe mais tempo fora de casa, estando mais perto. O tempo passa de qualquer forma...

domingo, 18 de agosto de 2013

Missionary Man -Day 6

Apercebi-me que hoje é domingo...
A noite não foi má. O calor na tenda, no entanto, torna o sono desconfortável.
Não houve formigas... A fumigação que fizemos ao cair da noite aparentemente resultou.
Adormeci a ouvir as hienas que não deviam andar longe... cheirou-lhes o gado.

Para matar o tempo, ontem à noite, depois do jantar ainda fizemos um intenso jogo de UNO... Intenso porque era um português, um queniano, uma norueguesa, uma chinesa e dois franceses. Quando as baterias acabaram, continuámos o jogo à luz das velas e das luzes frontais. Parecia um grupo de mineiros na batota... A multiculturalidade proporciona momentos verdadeiramente hilariantes e de boa disposição!!!

O dia tem sido calmo. Uma chuvada tropical desde a hora do almoço, com a respectiva trovoada, mantém os doentes afastados do hospital. Ainda assim, acabei de receber uma pequena de dois anos com queimaduras de água a ferver... a vida nestas paragens não é fácil.

Continua a chover torrencialmente. Há quem diga que este acampamento é "way bellow standards"... mas a missão é importante. Estamos numa encruzilhada de caminhos onde converge muita gente, não só por causa da assistência medica, mas também porque este é um dos pontos de distribuição de alimentos do WFP.

Amanhã já há cirurgias programadas. Como a maior parte das intervenções é feita em dois tempos, vou terminar aquilo que a equipa anterior começou, enquanto em Bor, eles devem estar a fazer o mesmo com os doentes que deixámos.

A pouco e pouco, o corpo e o espirito começam a habituar-se...






sábado, 17 de agosto de 2013

Missionary Man - Day 5

A noite no acampamento foi complicada...
Nada de leões ou hienas, mas por volta das 3 da manha uma dos elementos dos MSF acordou coberto de formigas... e na verdade elas estavam por todo o lado, aparentemente excepto na minha tenda. Acho que o acampamento está montado sob um daqueles enormes ninhos de formigas, e à medida que as estacas foram sendo cravadas no chão elas começaram a emergir.

Fez-se o que se pode para controlar a situação, mas isto é literalmente a selva e como tal esta é uma guerra perdida à partida. De resto, tenho atrás da tenda um qualquer bicho que faz um bip, bip, bip irritante... parece um dispositivo electrónico...mas quando somos vencidos pelo sono, nem o bip, bip incomoda.

Experimentei o duche pela manhã. Basicamente coloca-se um jerrycan de 5 litros sobre uma plataforma, abre-se a torneira, molha-se o corpo, fecha torneira, ensaboar, abre torneira, tira-se o sabão... Há coisas piores, e está tanto calor que a água sabe deliciosamente bem.

Ontem à noite recebemos um doente novo. Uma queda de uma árvore... aparentemente uma das poucas árvores num raio de um quilómetro. Suspeito de uma pequena fractura vertebral, mas fiquei intrigado, pela razão de ser da queda. Então é mais ou menos assim. Estamos a mais de 100 quilómetros da cidade mais próxima, e sem rede de telémovel, pelo menos pensava eu. Aparentemente no alto da árvore que segundo eles tem lá um pau, e que por sinal vê-se, dizia eu que no alto da árvore há rede de telemóvel, e então, para falar com o chefe da tribo, sobem à arvore para ligar. É uma espécie de jungle phone.

O dia foi tranquilo. Estive a suturar a rede mosquiteira da colega que foi formigada durante a noite, para ver se não entram mais formigas. Almoço, ração de combate norueguesa (comida indiana).

O helicóptero do WFP trouxe material que estávamos a aguardar. Sabe sempre bem ver o helicóptero a chegar... ajuda a quebrar a sensação de isolamento.

Choveu torrencialmente uma boa parte do dia. Está tudo enlameado. As condições são duras. Não deu para acabar o projecto do frigorifico, talvez amanhã.

Passámos visita à enfermaria, alguns casos complicados. Estou a aguardar novo helicóptero na segunda com material para poder fazer alguns enxertos de pele e outros procedimentos menos habituais. A equipa tem uma boa moral, não vale a pena refilar, ninguém veio obrigado, ninguém disse que ia ser fácil.

Hoje o principal problema foi mesmo a gestão da energia, porque com chuva o painel solar não carrega a bateria que por sua vez não carrega os equipamentos, ainda assim deu para ver a família :) e é bom saber que estão todos bem.

A noite já caiu. Jantar "pasta" tipo bolonhesa sem carne... é como se estivéssemos a jantar em Roma :) Os mosquitos andam por todo o lado. Voltei à antiga rotina do repelente... Confesso que já tinha saudades do cheiro do repelente... mas estou a desconfiar que estes mosquitos não percebem que isto é repelente... Enfim, amanhã veremos o que nos trás o novo dia !

 




sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Missionary Man - Day 4

Deep down in Africa...
Provavelmente um dos últimos textos made in South Sudan...

Mais um banho daqueles a mendigar por água. Pequeno almoço - feijões :)
Mochila pronta. Partimos para o aeródromo por volta das 8.30
Carregar o helicóptero, e deixamos Bor para trás, lá vamos nós a caminho de Durain... um acampamento no meio da selva, com cerca de 3 semanas de vida. 45 min de voo a 90 knots. A baixa altitude e a janela aberta permitem ver a paisagem... Isto é no fim do mundo, é verdade, mas a paisagem é um espanto. Sobrevoámos algumas aldeias Muley. Ficam umas quantas fotos para a posteridade. Sinto-me como se estivesse num documentário da National Geographic.

Durain é mesmo um acampamento, na verdade, são 3 acampamentos, o nosso, o acampamento do MSF, e um acampamento Muley, uma das tribos que habita a região.
O pessoal do MSF faz a linha da frente, nós tratamos os casos que eles encaminham. A guerra pelo gado tem gerado inúmeros feridos. Temos uma pequena enfermaria com 10 camas e um bloco operatório. Fiz a passagem de turno com a equipa que vai para Bor durante esta semana. Ficam 9 casos, de tudo um pouco, incluído mordeduras de cobra, complicações pós cesariana...

Instalei-me na minha tenda. Estão cerca de 40 graus...

As condições estão a melhorar de semana para semana. Hoje já trouxemos um pequeno gerador a gasolina para poder ligar uma ventoinha no bloco, mas ainda não há ventoinha. O cirurgião que vim render, recomendou-me, antes das cirurgias, encharcar o fato de bloco e vestir o mesmo molhado... caso contrario não ha quem aguente.

As tendas já têm fosso à volta para escoar a água, e têm uma cobertura adicional por causa do calor e da chuva, e hoje sugeri a construção de um "frigorifico" para manter as bebidas frescas. É uma antiga receita Queniana, que aprendi na Indonésia com uma enfermeira que esteve no Mali, vamos ver... em menos de nada já cavaram o buraco que eu encomendei, mais logo vou terminar...
Tambem já temos um painel solar, e "la creme de la creme", a cereja no topo do bolo, Internet via satélite !!!!!!!!!!! Sim... Vou repetir... Internet via Satélite !!!!!!! Não é a toda a hora... Mas funciona.

Já iniciei o programa de aculturação. Estou a aprender algumas palavras em Muley.
Portanto é mais ou menos assim que se inicia uma conversa...

Olá - bona
Resposta - iiiiii 

Como estás ? - bona nina
Resposta - iiiii

Estás mesmo bem ? - bona djuro
Resposta -iiiii

Como estão as crianças ? - bona dália
Resposta - iiiii

Como estão as vacas ? - bona tang
Resposta - iiiiii

E depois invertem-se os papeis e é a vez do outro perguntar ;)
Aparentemente a resposta é sempre iiiiii ou seja, tudo bem :) não vale a pena complicar...

O frigorifico vai avançando... estou a tentar encontrar o carvão... para o revestimento... Nao há muito e o que há, temos que aproveitar para a esterilização... mas amanhã fica completo, já encomendei a um dos artesãos uma tampa em canas, para servir de armação ao cobertor...

Entretanto, o céu cobre-se, a temperatura baixa uns graus... e dai a pouco, uma daquelas cargas de água que deixa tudo enlameado... Great :(

Já temos latrinas... Old fashion, buraco no chão, e uma plataforma, turkish style... é muito, muito mau para quem vem da cidade, e quando o sol vai alto e o calor aperta... bem...mas eu já vinha num processo de degradação das condições ao longo dos ultimos 4 dias portanto nao foi um choque... Foi um choquinho !

Os duches nao são maus... Amanha de manha vou experimentar. Entretanto a decisão é de começar a operar muito, muito cedo, porque a partir das 10h o calor na tenda do bloco / enfermaria é estilo sauna finlandesa... 

Pensar que há pouco mais de 15 dias estava num veleiro no meio do Oceano... Essas imagens de frescura, nao me saem da cabeça...

O sol está praticamente no horizonte... há uma pequena brisa... Acho que vou descansar um pouco. Daqui a pouco acendem-se as fogueiras e os candeeiros de petróleo. Amanhã há mais trabalho... Aliás, o trabalho nunca vai acabar...








quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Missionary Man - Day 3

Após uma noite estranha, com o ar condicionado a fazer o barulho de um helicóptero, a ventoinha do tecto descrevendo elipses e a chuva lá fora a cair como gente grande, acordei bem cedo para um banho de água fria, na verdade, a única disponível... Eu até aguento-me bem à agua fria... mas esta corre lentamente, muito lentamente e sem pressão, por um chuveiro ferrugento... Lembrei-me então dos banhos de balde que tomava na Indonésia, e isto já não parecia tão mau... Pelo menos não tenho que atirar o balde ao poço vezes sem conta até trazer a agua. Já interiorizei a lavagem dos dentes com água de garrafa... é estranho, mas tem que ser.

Pequeno almoço... feijões... e omelete... e uma coisa panada meia doce que não sei o que era, e chá... sem comentários. Já me habituei a fintar as formigas no açucareiro, e as que não finto, vêm beber chá comigo. Neste aspecto, já me deixei de m... ariquices.

Esta tudo completamente enlameado. A caminho do hospital vejo dezenas de pessoas a circular nas ruas, procurando os pontos mais secos, enquanto as crianças chapinham nas poças. As crianças são iguais em todo o lado. Dêem-lhes água, que elas agradecem. Não quero imaginar como terá sido a chuvada nas palhotas...

Hospital. Recebi a minha luz frontal que tanto falta fazia e os óculos de proteção. Pelo menos já consigo ver o fundo das feridas com um pouco mais de claridade e escuso de levar com esguichos de sangue nos olhos... Faz diferença. Operamos os 3 casos programados de ontem, mais um regresso ao bloco para o segundo tempo de uma cirurgia cuja decisão tinha deixado para hoje porque precisava de estudar a melhor opção, mais um baleado desta noite e pelo meio uns pés mordidos por ratos... Indiscritível. 

Estudar é mesmo a única opção em alguns destes casos. A maioria destas lesões, no mundo ocidental seria tratada por equipas de super especialistas de diversas áreas... aqui... sou eu, e hoje, dou graças a Deus pelo tempo que dediquei à cirurgia plástica e à ortopedia... Algumas das técnicas seriam quase impossíveis de realizar sem um mínimo de treino prévio. Provavelmente com o passar do tempo e com a experiência, já não precisarei de recorrer, tanto ás bíblias... não será para já garantidamente... Mas a tecnologia é mesmo incrível, trouxe no ipad uma biblioteca com cerca de 60 livros... Cujo peso total se fossem em papel aproxima-se dos 150 Kg !!! Já para não falar do volume que ocuparia. O trabalho humanitário está a evoluir... felizmente, e por isso mais logo consigo fazer o upload desta crónica... Via satélite :)

Acabámos já perto das 16h... tempo para ir comer qualquer coisa. Optámos pelo "hotel canal"... Chamar hotéis a estes sítios é um pouco abuso... Mas aqui ninguém liga, é um sítio para comer, e a fome é negra. Peixe frito com couve e ukali (basicamente farinha com agua numa argamassa consistente que ganha o sabor do molho que levar por cima)... Imagino que o peixe seja do Nilo... Nem quero pensar se não for...

Pelo caminho de volta, paragem numa mini, mini, mini, mercearia. As coisas que se vendem e encontram por aqui, são incríveis. Comprei Red Bull, Coca-Cola, sumo de goiaba, cereais e pastilhas... 99 ssp ( South Sudanese Pounds) cerca de 30 dólares. É caro, mas logo à noite e amanha de manha vai saber mesmo bem, porque amanha de manha, voamos de helicóptero para Dorein, e por aquilo que me contam... The best is yet to come :)


quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Missionary Man - Day 2

Voo de avioneta para Bor, logo de manha cedo. Quatro passageiros mais carga. Voo tranquilo a baixa altitude, 40 min para norte... A selva africana, os pântanos, o Nilo Branco... algumas aldeias perdidas no meio do nada... é impressionante.

O aeroporto, melhor, o aeródromo, mais concretamente a pista de terra batida estava verdadeiramente movimentada entre avionetas e helicópteros de todos os tamanhos (Mi 6 a Mi 26... maior o número maior o tamanho) alguns dos quais só tinha visto na televisão, verdadeiras bestas de carga das várias organizações que estão no terreno. UN, WFP, CICR, MSF, etc, etc...

Se Juba era África profunda, Bor é ainda mais profundo. Não ha estradas alcatroadas, não há electricidade, e água depende...
Deixei as coisas no "hotel". Não consigo bem descrever... ha uma porta com chave e um quarto e uma cama e um mosquiteiro e uma casa de banho e uma ventoinha de tecto... Mas água e electricidade só de manha ou à noite.
Encontrei-me com a minha equipa. Anestesista, Italiana, 50s, algumas tattoos, batida nestas coisas, enfermeiro de bloco, Ugandês e enfermeira de enfermaria, Queniana, ambos já com larga experiência, Paquistão, Congo, Ruanda, Afeganistão...

Decidimos ir ao "hospital" fazer a visita medica aos doentes. O que posso eu dizer ? É como nos filmes, camas sem lençóis, suportes de soros improvisados com canas, tracções esqueléticas em cada esquina, um calor abrasador...

Passaram-me cerca de 10 casos. Desde fracturas da mandíbula com perda de osso até uma criança gravemente queimada, passando por inúmeros baleados em múltiplos locais o ultimo dos quais chegado na noite anterior com uma bala que lhe fracturou o colo do úmero...Decidimos operar 3 hoje  e 3 amanha, mais uns quantos pensos.

Peço para ligarem o gerador do hospital para que se possa por a luz do bloco a funcionar, porque sem luz, uma vez que é um espaço interior, não se vê nada. A minha anestesista a semana passada esteve várias horas a dar ao ambu...

Não consigo decrever o "bloco operatório"... Mas lá fizemos o que tínhamos a fazer com base em muita ketamina, valium, coragem e espirito de sacrifício. Acho que ficaram bem operados. Amanha veremos como evoluem.

Acabamos tarde. À frente do hospital um "bar" chamado "big dad". Teoricamente "seguro" ou seja " diarreia não obrigatoria"... Experimentei o kebab. A fome era tanta que me soube a bife do lombo.

A seguir, reunião com o director do hospital, para articular procedimentos pos-op, nomeadamente as tomas de medicação e apoio ao bloco. 

Amanha, continuamos. Na sexta de manha de partimos de helicóptero para o acampamento de Dorein. O meu pai tinha razão... não há nada de romântico nisto... apenas uma dureza indiscritível, no limiar das condições de trabalho. Ainda estou meio abananado com o dia de hoje.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Missionary Man - Day 0

Para a maioria dos Portugueses, o Sudão do Sul é um pais imaginário que só existe na televisão à hora dos telejornais. Apagada a televisão, vistas as imagens, tudo o que fica é blá, blá, blá, violência, blá, blá, blá, golpe de estado, blá, blá, blá, tiros, blá, blá, blá, tribos... E pronto, é o Sudão do Sul.

Eu próprio não estou convencido da sua existência...

Logo pela manha, auto injectei-me com uma dose simpática de Lovenox (love-nox, amor em versão depot :) uma vez que estando com uma perna a 75% não me apetece nada ser um cirurgião trombo-embólico. 

Aeroporto de Lisboa em modo de introdução dos sistemas de self check-in... cada vez temos menos contacto com as pessoas, e cada vez há mais pessoas a precisar de assistência para lidar com os sistemas que foram introduzidos para reduzir o número de pessoas... Está tudo louco !

Boa noticia do dia. Lisboa - Frankfurt em classe executiva. Imagino que os meus novos patrões tenham adiantado um bónus de primeira missão.
É classe executiva sim sr, mas german style. As hospedeiras são irrepreensíveis na sua função, mas nota-se logo a economia de sorrisos e de presença... falta ali uns genes latinos...

Chegada a Frankfurt, sob chuva.
Para mim, é impossível circular neste aeroporto sem recordar o meu primeiro parto "on the wild" que fiz aqui, a uma matrona Queniana XXL, numa casa de banho, em 2005... mas isso é uma história para outra ocasião.

Ia com intenções de me encontrar com um companheiro, piloto de "outras guerras" que por sinal também estava em transito à mesma hora, mas deixei-me levar por ideias pre-concebidas que amiúde nos induzem em erro. Tendo quase 2 horas de escala, e tendo aterrado no terminal 2, o mesmo da partida, assumi que teria tempo para tudo.
Em primeiro lugar, à medida que circulamos no terminal vamos passando por uma serie de pontos de não retorno, o que imediatamente tornou impossível o nosso encontro. Em segundo lugar, apesar de ser apenas o mesmo terminal, para ir das portas "A" para as portas "C"... nao se vai a pé... Vai-se de comboio ! É outra escala.

Chegado ás portas "C", o meu cérebro já em modo hipoglicemico, assumiu que a minha porta de partida era a C19. Andei, andei, andei, andei até achar que nao havia mais aeroporto para andar, e finalmente chego a um controle de passaportes. Rio ? São Paulo ? Pergunta-me o policia... nao, nao, Addis Ababa, respondo eu assumindo que o meu look estaria algo sul americano... Uma vez que nao sou procurado pela Interpol, e o meu passaporte nao fez disparar nenhum alarme ( tempos houve que o fazia, razao pela qual estive em tempos detido pela Policia Federal no Brasil.... adiante...) ele olhou-me assim meio de lado, e mandou-me seguir. Continuei a andar, afinal ainda havia mais aeroporto, e quando finalmente chego a um local onde nitidamente não havia mais nada, eis que surge um controlo RX. Rio ? São Paulo ? não, não disse eu, Addis Ababa, mas que raio estes hoje a embirrarem que sou da América do sul... Addis Ababa! o policia encolheu os ombros como quem diz, pois, realmente, com essa cor, bem podes ser etíope. Tira cinto, tira relógio, tira telemóvel, tira moedas do bolso, tira ipad, tira o saco com os frasquinhos de 100 ml... Passo sem apitar, mas sempre com o receio que aquela moeda de 2 cêntimos esquecida no bolso, me faça alvo de uma busca das cavidades corporais por um qualquer matulão ariano... Não apitou. Põe cinto, põe relógio, guarda o telemóvel, guarda as moedas, arruma o ipad e o saquinho dos frascos...
Andei 10 metros e agora controle de cartões de embarque... Caro Sr, o sr está no sítio errado. A sua porta é a C09. What ? Sim, sim, C09, tem que andar para trás... olhei para o relógio e já não havia muito tempo. Desatei a andar em modo "coxo com pressa" que é o melhor que nesta altura ainda consigo fazer... Andei, andei, andei... E andei cerca de 1km ou para ser mais exacto, 20 min em modo coxo, coxo com pressa.
Novo controle de passaporte, novo rx, tira cinto, tira relógio, tira telemóvel, tira moedas do bolso, tira ipad, tira o saco com os frasquinhos de 100 ml... Passo sem apitar, ainda não foi desta a busca das cavidades, põe cinto, põe relógio, guarda o telemóvel, guarda as moedas, arruma o ipad e o saquinho dos frascos... Uff, finalmente no avião e uma dupla estreia: Boeing 787 Dream Liner, e Ethiopian Airways... Pois...

Lá me instalei na minha cadeirinha, com as costas muito direitinhas, muito pertinho do banco da frente... Apesar do avião ser grande, na classe económica é tudo mini. Obviamente trata-se se uma clara provocação estilo mete nojo, fazem-nos entrar junto à primeira classe, que é para vermos onde não vamos dormir ! Aquilo irritou-me ! Ainda para mais, porque tinha acabado de passar por um placar publicitário da Singapore Airways, onde anunciavam a nova classe Suite Executive ! Com cama de casal e lençóis ! O mundo não é um local justo... e nunca, nunca o será !


Missionary Man - Day 1

5366 kms depois, eis que aterramos em Addis Ababa. Tirando a dor no pescoço pela posição viciosa, e as pernas hiper inchadas, o avião é de facto um espanto... e muito silencioso. Continua a espantar-me a precisão destes aparelhos. A duração prevista do voo era de 6h e 6min, fizemos 6h e 7min.

Chuva em Addis Ababa, e um terminal de aeroporto digo de um filme. Mantenho a minha opinião que os aeroportos dizem muito sobre os países, e este não era excepção. As lâmpadas fluorescentes sem balaustres, um bar / cozinha aberta onde as duas opções de bebida são, Coca-Cola em garrafa de vidro com carica oxidada ou água... E quanto ao preço, depende do que temos... Se for dólares é um dólar, se for euros, é um euro !

Assim que pude tomei posse de uma cadeira que dava para esticar as pernas. Eram poucas e como tal a esta não mais a larguei. Foram 5 horas dolorosas. Ia passando pelas brasas no meio da multidão, treino adquirido nas urgências, mas de vez em quando acordava com uma corrente de ar que me fez lembrar que não tinha posto nenhum polar na mochila. A este respeito devo dizer que a experiência levou-me a assumir que iria perder a bagagem do porão, porque sim, ouve tempos em que isso era uma constante, e como tal preparei a mochila para 5 dias de autonomia de roupa, comida e higiene pessoal... 

Voo para Juba, num bimotor Q400. Pelo caminho conversa com um americano que anda cá e lá...
Nada me preparou para o choque de Juba. Saída do avião, e sigo aqueles que parecem saber para onde se dirigem. Era uma barracão (não em sentido figurado) onde estava uma centena de pessoas, acotovelando-se para pagar o visto, controle de passaporte e recolher as bagagens que eram lançadas por uma janela para uma pilha enorme no meio da sala... Indiscritivelmente África profunda.

Optei por não ligar à bagagem (não iria chegar de qualquer maneira) e fui para a fila do passaporte, quando finalmente chegou a minha vez... Estava na fila errada, era preciso primeiro pagar. Fui para a fila dos pagamentos. Conheci uma alemã e um brasileiro que trabalham para os MSF, e aparentemente vamos estar juntos algures no mato... chega a minha hora de pagar e as minhas notas de 50 dólares, tinham uma pequena mancha em um dos cantos motivo pelo qual não eram aceites... Inacreditável... lá me safou o brasileiro que trocou-me o dinheiro por uma nota aceitável.

Escusado será dizer, que quando isto terminou cerca de 1 hora depois, eu era o único passageiro do terminal... E olhando para trás, vejo a minha mala ali sozinha, à minha espera. Moral da história, aqui é tudo com calma... Muita calma.

Cá fora, já o motorista me esperava para levar-me à delegação. 5 briefings e uma vacina contra a raiva depois, eis-me no Rainbow Hotel, a jantar e pernoitar num quarto com mosquiteiro antes de amanha seguir cedo de avioneta para Bor...sim... porque é a época das chuvas e as estradas estão intransitáveis e não ha nenhum cirurgiao na cidade desde há 4 dias.
Os meus companheiros dos próximos dias são das tribos Dinka, Nuer e Murle... Que se guerreiam por causa do gado...Daqui a 8 dias, helicóptero para Dorein, no meio da selva, onde as preocupações de acordo com o briefing são os leões as hienas e as formigas... Enfim...