segunda-feira, 11 de novembro de 2013

MIA

Nunca tive animais de estimação na minha infância, ou como se diz hoje em dia "pets". Tive portanto uma infância "petless"... Com 4 filhos em 5 anos, os meus pais devem ter entendido que já existiam demasiados animais à solta na propriedade para ainda adicionarem o que quer que fosse à coleção.
Isso nao quer dizer que não tenha tido contacto de proximidade com várias espécies...

O meu avô volta e meia trazia para casa um saquinho de água com um peixinho vermelho que invariavelmente acabava a nadar em círculos numa taça de vidro algures na cozinha. O mal dos peixinhos vermelhos em taças é que mais dia menos dia acabavam a boiar adornados a bombordo, fosse pela má qualidade da água, fosse por overdose de floquinhos com sabor a camarão. Depois como que cumprindo o seu destino, à água regressavam, fazendo a sua derradeira viagem de regresso ao mar pelo sifão da sanita lá de casa.

Também houve piriquitos. Aliás lembro-me de alguns casais de piriquitos em casa dos meus pais. O problema dos piriquitos é que passávamos o tempo todo à espera que pusessem ovos, e quando finalmente o faziam, ou os atiravam do ninho ou simplesmente os comiam. Qualquer dos cenários era demasiado traumatizante para crianças em idade escolar, e um dia, tal como vieram, os piriquitos, foram-se.

Acho que a primeira relação que estabeleci com um animal foi com o Bolinhas. O Bolinhas era um cão rafeiro branco com manchas castanhas, pelo e pernas curtas, tipo salsicha brasileira. Habitava um armazém de bananas ali para os lados da lapa. O armazém, do qual o meu avô era sócio, fazia paredes meias com uma tasca à antiga portuguesa, com mesas em mármore, bancos de madeira, muita serradura no chão, e grandes pipas de vinho atrás do balcão onde um taberneiro grande e careca envergava um avental tipo talhante com uma toalhinha ao ombro. Comi-se pão com torresmos, pão com chouriço e bebia-se vinho. O meu avô, os seus sócios e demais companheiros passavam horas a jogar dominó, marcando os resultados com um pau de giz nas próprias mesas. O Bolinhas era o meu pet. Eu teria aí uns 8 anos...pegava na trela e ia dar uma volta ao quarteirão, todo orgulhoso, de peito feito, a mostrar para quem quisesse ver que era eu quem levava aquele animal a passear. Um dia cheguei à loja e soube que o Bolinhas fora apanhado por um eléctrico numa das suas saídas habituais sem trela. Desde aí, passaram-se vários anos até que voltei a ter contacto com animais com nome.

Foi no Colégio Militar que voltei a estabelecer algum tipo de vínculo emocional, desta feita com animais de grande porte. Era um belíssimo cavalo chamado "Saturno", castanho, grande, com um galope largo e generoso que me fazia realmente feliz e duas éguas mal cobridas de seu nome "Silvia" e "Rata". A primeira, algo esquizofrénica, tinha surtos psicóticos e quando menos se esperava, largava a formação desatando a correr em sentido contrário aos restantes cavalos, sem que nada ou ninguém a fizesse parar e muitas fezes fazendo o infeliz cavaleiro provar a serradura do picadeiro. A segunda, era pequena, cor de rato, e tinha um trauma sexual, pelo que a simples aproximação de um garanhão pela retaguarda, dava direito a cangochas inopinadas ao estilo rodeo que ficaram célebres pelo número de cavaleiros que levou ao chão. Foi à conta destes três que acabei na escolta a cavalo...

Passaram-se vários anos sem animais e entretanto a personalidade formou-se. Se dividíssemos o mundo em "cat persons" e "dog persons" eu seria certamente uma "dog person". O meu interesse por felinos esgota-se no Jaguar, preferencialmente azul escuro, cabrio, com bancos camel, e nas gatas... louras ou morenas. Paradoxalmente, quis o destino que acabasse com três gatas em casa. Uma, casei com ela, as outras duas são descendência. 

Recentemente, há cerca de dois meses, a nossa vida foi invadida pela Mia. A Mia ao contrário do Bolinhas é uma cadela de marca. É uma Shnauzer, tamanho mini mas sem ser a pilhas e tem pelo preto com madeixas californianas, acho que é assim que se diz, quando o pelo é preto e as pontas são castanhas, mas neste caso é de série. A Mia tem seis meses e nas fotografias aparece sempre como uma mancha negra. Não cheira a cão, praticamente nao se ouve, não deita pelo e nao pedincha à mesa. Tem um olhar carinhoso, e uma cara super patusca, daquelas que só apetece agarrar e já conquistou toda a gente pela sua doçura e simpatia. É uma cadela caseira que está sempre a abanar o rabo de felicidade. Adora enroscar-se no colo de quem quer que seja que esteja a ver televisão e de manhã assim que lhe abrem a porta do terraço corre os quartos à procura dos habitantes para os cumprimentar individualmente pondo-se de pé ou simplesmente saltando para cima das camas e lambendo qualquer cabeça que esteja de fora dos lençóis. É efusiva nas recepções sempre que alguém chega a casa, mas distribui as atenções por todos. Adora correr e derrapar no chão em madeira, fazendo drifting nas curvas. A sua brincadeira preferida é deitar-se de patas para o ar fingindo-se de morta para que lhe façam festas na barriga...Até hoje, eu não sabia que era possível gostar assim de um animal... mas esta, deu-me volta cá com uma pinta... é que só lhe falta falar !