quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Importado... o &%$$#$ !

É curiosa a forma como determinadas pessoas (des)arrumam as ideias na sua cabeça. Será preconceito ?
Lembro-me de quando era miúdo, no Brasil, importado era sinónimo de luxo. O que quer que fosse. Podiam ser bananas, frigoríficos ou automóveis. Importado era mais caro e geralmente sinónimo de grande qualidade, portanto quando um vendedor dizia, tenho nacional e importado... a escolha era uma função matemática complexa que entre vários factores, em última análise, estava na dependência directa da conta bancária.

Aqui entre nós, as coisas não eram muito diferentes. O mármore Italiano, o cristal de Murano, o perfume Francês, os relógios Suiços, o chocolate Belga... enfim, um sem número de coisas que até se podiam fazer parecidas por cá... poder podiam... mas não eram a mesma coisa.

Hoje em dia, com a globalização, comemos bananas do Panamá, uvas do Chile, carne Argentina, papaia do Brasil, café da Colômbia e mais não digo porque acabei de perceber nitidamente que o Mercosul está a papar a União Europeia, em grande. A verdade é que sempre fomos um país de importadores, e uma das coisas que sempre importámos foram automóveis. Baratos ou caros, durante bastante tempo eram 100% importados, até que nos últimos anos algumas fábricas por cá se instalaram. Ou seja, podíamos estar parados na fila da auto-estrada e ter a certeza de que a imensidão de carros à nossa frente e atrás, eram todos, mas mesmo todos, todos, todos, sem excepção, importados!

Bem, isto tudo a propósito de uma cena que me tira do sério... e faz-me lembrar o já famoso episódio da "caixa do iphone" ! Desde que tive de comprar carros com o meu dinheiro, decidi que mais valia um usado gama alta do que um novo gama baixa. É uma opção pessoal, muito discutível, como todas as minhas opções pessoais. Assim pensei, e assim realizei. Cedo comecei a comprar carros directamente na Alemanha, trazer para Portugal, pagar o que era devido, matricular, e circular com um sorriso nos lábios.

Aparentemente a minha ideia não era muito original, e o Estado, o tal com o qual mantemos esta relação pecaminosa, achou por bem que os prevaricadores do sistema (por sinal legal) fossem de alguma forma marcados a ferro, por forma a que o tal sorriso ganhasse um tom mais amarelado. Durante alguns anos, os que como eu foram modernizando o parque automóvel nacional, tinham que ostentar na sua matrícula, nada mais, nada menos que um "K" ! Não era um "W" ou um "Y", era um "K" ! que em Português clássico pronuncia-se como a terceira pessoa do singular do presente do verbo "Capar"... e capar, não é bom ! Mais valia dizer "capei-te"! Que é como quem diz, espetei-te um "K" nesse lindo carro! Tirei-te o tesão de ter um carro bom ! Ter um "K" na matrícula, era o mesmo que ostentar um enorme letreiro no vidro de trás a dizer: "o gajo que está a conduzir este carro, julgou-se mais esperto que os outros, foi buscar este carro lá fora e não quis pagar cumulativamente os lucros do fabricante, do importador, do distribuidor e do estado, portanto capei-o ! Assinado, O Estado."

Por muito bom que fosse o carro, e habitualmente era, o "K" arruinava qualquer possibilidade de transacção futura com um mínimo de dignidade. Qualquer potencial comprador ao vislumbrar o "K" torcia imediatamente o nariz, como se o carro fosse de produção duvidosa, montado numa qualquer fábrica clandestina, onde se exploram criancinhas, no Bangladesh! Qualquer Porshe, Mercedes, Audi ou BMW, ganhava estatuto de cópia rafeira, e se o tentasse vender num stand, diziam logo com desdém, ah... mas é importado... Ao que imediatamente poderíamos retorquir, é importado sim senhor e os Mercedes que o senhor tem aqui para venda , são feitos onde ??? em Carnaxide ??? em Matosinhos ??? que &%#$#%...

Os "K" assassinaram as matrículas dos automóveis, e nós até temos matrículas fantásticas, como a do telefonista "AL.OO.OO", a do adepto de futebol "MA.OO.OO", a egocêntrica "EU.19.71", a do revoltado "NA.OO.OO" e a minha preferida de todas, talvez pelo seu cariz porno-erótico intenso e apaixonado "OO.OO.OH"...

Felizmente, durante o período em que durou essa virtuosa lei, não troquei de carro e escapei-me aos Kapas. Mas pouco depois achei que era altura de trocar e dessa vez, poupei o trabalho de ir à Alemanha. Remediei-me por cá, junto de um vendedor meu conhecido, o qual, ia ele próprio buscar as viaturas lá fora. Namorei o veículo, negociámos o preço e sai do stand com um carro alemão XPTO com uma matrícula politicamente correcta e certo de que tinha feito um bom negócio.

Cerca de 4 anos depois, quando, por razões familiares, um carro de 2 lugares já não fazia muito sentido,  resolvi voltar ao mesmo stand para tentar uma troca. Já levava obviamente a matéria estudada e sabia mais ou menos o valor pretendido. Cheguei, expliquei ao que ia e sentei-me junto do vendedor / comprador enquanto ele consultava as tabelas, o computador, mais tabelas, um telefonema para este, um telefonema para aquele, e no fim, com um ar compenetrado atira-me à cara um valor x ! x ?! disse eu! Ouça lá este carro vale praticamente o dobro daquilo que você está a oferecer ! E ainda por cima comprei-o aqui ! Então mas você agora deu em gozar comigo ? O homem permanecia em silêncio com um olhar cabisbaixo... A certa altura, levantou-se, caminhou lentamente para a porta,  virou-se para mim, e encolhendo os ombros sai-se com esta... Sabe o que é doutor... o carro é importado !


1 comentário: