segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

A tribo do surf


Há vários anos que penso nisto, mas agora, nem sei bem porquê, achei por bem partilhar estes meus pensamentos…

Acho que desde sempre estive ligado ao mar. Sou filho, neto, bisneto e trisneto de ilhéus. Nunca tive uma casa que não tivesse vista para o mar, já mergulhei até aos 40 metros de profundidade, e agora recentemente, bateu-me forte esta coisa da vela de cruzeiro…no entanto, nunca fiz surf.

Nem percebo bem porque é que nunca fiz surf… tenho familiares surfistas, amigos e conhecidos surfistas, mas sabe lá Deus porquê, nunca tentei. Se calhar porque também nunca andei de skate, e no meu tempo (va lá… anos 80) o surf era uma evolução natural do skate, mas em versão molhada. Ainda assim, o seu vocabulário não me é estranho… mar flat, offshore, inshore, mar picado, finos, tubos (que eu chamava túneis até ser veementemente repreendido)…enfim…Agora que deu-me para correr junto ao mar, cruzo-me quase todos os dias com eles e com os seus rituais.

Se eu fosse um extra-terrestre de visita à terra… ia ficar cheio de dúvidas. Eles chegam à praia de carro. Estacionam e ficam a contemplar o mar…mais tarde começam a despir-se… fazem um strip quase total, e a certa altura, enrolam uma toalha à volta da cintura. Ali estão eles, praticamente nus, junto à estrada, com uma toalha enrolada à cintura ! Começam então a deslizar para dentro do fato de neoprene. Vestem-no habitualmente até à cintura e param. Deixam cair a toalha e agora viram-se para a sua prancha. Retiram-na delicadamente de dentro do seu saco (?) e começam a esfregá-la com cera (wax em linguagem surf)… a prancha que era toda gira, fica agora amarela e rugosa. Ato completo, vestem o resto do fato, e prancha debaixo do braço avançam para o areal. Caminham descalços pelo alcatrão como se estivessem a pisar ovos…pés apenas parcialmente apoiados…Chegados à areia, nova fase de contemplação, mais ao menos longa consoante a atmosfera. Alguns alongamentos, e lá vão eles mar a dentro na sua prancha.

Quem, como eu, mora ali para os lados de Carcavelos, já percebeu que havendo ou não havendo ondas… eles entram mar a dentro. Aliás, começo a achar que as ondas nem sequer são um requisito para a pratica da modalidade. Parecem náufragos a tentar abandonar a ilha nas suas pequenas jangadas, mas inevitavelmente o mar lá os traz de volta. Nunca vi nenhum que tenha de facto conseguido escapar… mas todos os dias eles tentam, sem sucesso.

A tribo do surf, alterou-se do ponto de vista demográfico. Hoje há muitas mulheres… aliás muitas mesmo. Confesso que vê-las num fato de neoprene colado ao corpo é muito mais interessante do que ver os tipos grisalhos da minha geração. Elas trouxeram um novo estilo… os mesmos rituais…mas muito mais estilo. Quando param para se despir… ou quando saem do mar, e param junto ao duche para tirar a areia dos pés, o pessoal pára mesmo para ver. Quem como eu corre, e não pode parar, vai virando o pescoço, até que já não é possível continuar a rodar devido à excessiva angulação e ao perigo de me espalhar ao comprido.

Facto é que, aos elementos desta tribo, vejo-os quase sempre a meio da manhã, aos dias de semana… e não percebo. Esta malta não trabalha ? tem horários porreiros ? estão desempregados ? são meus colegas ? Hoje estive quase para parar e perguntar… desculpem lá… vocês o que é que fazem na vida? Mas infelizmente não posso parar… A tribo do surf está mais interessante, mas deixa-me muitas dúvidas, ainda.

2 comentários:

  1. Ora vamos a isto: Doutor Nelson Olim, passados pelo menos 20 anos é com prazer que constato que deixou de tratar os surfistas por "criaturas rastejantes".
    Não obstante este agradável facto (ou será fato?) o Doutor ainda não percebeu a essência do Surf! As razões para tal incompreensão são pelo menos 3 e, creio, merecem (a bem do Surf) ser mencionadas:

    1. Todo e qualquer tempo dispendido no paredão de Oeiras a perguntar aos Surfistas (embora Doutor, no seu caso, desconfio que as perguntas serão sempre *às* Surfistas) é uma perda pura do seu tempo de vida. A explicação para isto é simples: o Surf não se explica, sente-se, e sente-se de preferência quando a energia do Oceano nos transporta numa magnífica onda que, provavelmente, viajou um Oceano inteiro até nos encontrar.

    2. O Surf não tem horários, simplemente porque o relógio é o Mar (e a Lua, o Sol e o Vento). O relógio do Surf tem apenas duas horas: o mar está bom são horas de Surfar. O mar não presta, são horas de fazer outras coisas (eventualmente trabalhar).

    3. As suas dúvidas são justificadas. Para se praticar Surf não basta mergulhar com um escafandro a 40 metros ou fazer vela num iate. É preciso uma coisa intricadamente mais básica: saber nadar.
    Ah, e Doutor: quando se escreve "saber nadar", é óbvio que não basta saber dar umas braçadas na piscina do Algés para as miúdas verem. É que... um Oceano furioso não se compadece com vaidades ou estilos, não quer saber do gel no cabelo, da marca da prancha ou da nossa casa na Linha.
    Um Oceano furioso trata-nos como aquilo que realmente somos: uma ínfima particula na imensidão do Cosmos.

    Agora a million dollar question Dourtor: Será que consegue encolher o seu ego o suficiente para que, nem que seja por um breve momento, se torne um Soul Surfer?

    Abraço, não se afogue, e se precisar de uma prancha avise!

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    1. Dear John,
      muito poucas pessoas conhecem a expressão dos "rastejantes", razão pela qual parece-me que te estás a por a jeito para oferecer umas aulitas...
      Uma vez que o meu ego, cabe no bolso de trás das calças... e nunca é tarde para aprender... U tell me ;)

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