segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

A espera...


Esperar é uma constante da vida.
Esperamos para nascer… e daí para a frente, esperamos por tudo, ou por quase tudo.
Saber esperar é uma arte, eventualmente uma virtude.
Como cirurgião, tenho muita dificuldade em esperar… deve ser deformação profissional. Já os Anestesistas por seu lado estão habituados a esperar… portanto cada um é como é.
Esperar por alguém, por um telefonema ou por um determinado momento pode ser um processo verdadeiramente angustiante.

Um filme do qual gosto particularmente (ver aqui o trailer) descreve a sala de espera das chegadas de um aeroporto como sendo um dos lugares mais felizes do mundo… e é verdade. A espera pelo reencontro é uma espera feliz, e é provavelmente uma das raras excepções ao verbo, mas a forma como esperamos por algo, diz muito sobre nós próprios… e a psicologia humana tem zonas pantanosas onde facilmente nos deixamos enganar.

Aqui há dias, o meu pai relatava-me um artigo que lera recentemente sobre a espera das bagagens num determinado aeroporto made in USA.
O aeroporto era bastante moderno, e todo o processo de desembarque dos passageiros tinha sido optimizado, no sentido dos mesmos chegarem rapidamente à zona de recolha da bagagem. Independentemente do local de desembarque, em menos de 1 minuto chegavam aos tapetes.
Apesar deste esforço de planeamento, os responsáveis do aeroporto continuavam a receber inúmeras reclamações dos passageiros, que em média, uma vez junto aos tapetes, aguardavam cerca de 7 minutos pela sua, não extraviada, bagagem.
O processo de resolução do problema parecia demasiado complexo… até que alguém teve uma ideia brilhante, deslocalizar os tapetes em relação ás mangas de desembarque. Agora, um passageiro que desembarca neste aeroporto, percorre cerca de 8 minutos de intermináveis corredores… e quando chega aos tapetes, a bagagem está à sua espera. Não houve mais reclamações.

Este episódio, fez-me reflectir sobre as salas de espera dos hospitais onde trabalho.
Numa sala de espera hospitalar cruzam-se várias tribos e poucos locais têm esta particularidade.
Alguns anos de prática permitiram-me fazer uma classificação das várias sub-espécies de esperadores.

Os Impacientes
O paciente impaciente, raramente se senta. Deambula pela sala de espera. Quando se senta, troca frequentemente de lugar, como que à procura do assento perfeito.
Estes são aqueles que falam alto e falam sozinhos, refilam, queixam-se de que os nossos ordenados são pagos com os seus impostos e olham em redor à espera de aprovação. Chegam logo pela manhã cedo, à hora do almoço ou à hora do jantar. Raramente são vistos se houver jogo da selecção ou se o dia estiver de praia. Sempre que ouvem um nome ou um número no altifalante, vêem bater à porta e perguntam se já chamamos por eles. Raramente estão doentes mas conseguem enlouquecer os que estão à sua volta. Aliás, para ser mais correcto, a maioria dos impacientes são de facto, acompanhantes.

Os Resignados
O resignado é uma espécie cada vez mais rara. Vejo-os já muito de vez em quando e a maioria, não está verdadeiramente resignada, mas sim alcoolizada, motivo pelo qual, adormecem frequentemente na sala de espera, não respondem ás múltiplas chamadas e nem percebem que passaram a noite a curar a ressaca no hospital. Apresentam múltiplas escoriações na face e nos membros em diferentes fases de evolução, sendo difícil de caracterizar as que são de agora e as que são da semana passada.
O resignado, não refila, tem um bafo intenso capaz de anestesiar uma sala, ri-se dos que estão sóbrios e deseja-nos as melhoras quando tem alta.

Os Profissionais
Apesar do aumento das taxas moderadoras, ainda existem muitos profissionais. Os profissionais, conhecem o sistema. Sabem que não vale a pena vir ao hospital ás horas de mudança de turno nem à hora das refeições. Conhecem a escala de serviço e já conhecem muitos dos seguranças, enfermeiros e médicos. Escolhem as melhores horas, e já sabem como fintar a triagem de Manchester para obter uma prioridade mais elevada. É hábito fazerem-se acompanhar por um saco de plástico de cor branca, azul ou rosa com dezenas de caixas de medicamentos no seu interior, que prontamente despejam sobre a secretária do primeiro coitado que os atender. Têm um rol interminável de doenças e maleitas e independentemente das atitudes terapêuticas nunca ficam permanentemente bem. Prometem voltar, porque invariavelmente não têm médico de família, ou este está de férias.

Os Ciganos
Os ciganos são a verdadeira tribo. Vêm em bando e acampam. Habitualmente não ficam na sala de espera, não cabem, ao invés procuram um qualquer relvado perto e deitam-se, espreguiçam-se e passam pelas brasas. Os homens ficam num grupo e as mulheres num grupo à parte. Os miúdos sem penugem, ficam com as senhoras. Passam o dia inteiro na urgência, porque já que vieram em grupo, inscrevem-se em grupo e só vão embora quando o último elemento for observado. Se por acaso algum deles ficar internado, então o acampamento começa a tomar outras proporções, organizam turnos, criam casas de banho improvisadas e tomam posse do local.

Os Pijaminhas
Este grupo é o mais estranho. Independentemente da hora do dia, vêm de pijama para a urgência, habitualmente por meios próprios e com acompanhante. Existem duas sub-espécies principais, com e sem robe, mas partilham os mesmos aspectos básicos, a saber, pijama de flanela com padrões de Kittys, Garfield ou Homem Aranha, e pantufas. As pantufas podem ser mais ou menos exuberantes, com cabeças de coelhinhos, esquilinhos, ou qualquer coisa terminada em inho. O pijama em si, é suposto ser um indicador de gravidade da doença, enquanto o robe distingue os que também têm calafrios. Quando em presença de um médico, este grupo habitualmente está ás portas da morte. Apenas recuperam quando voltam para a sala de espera a aguardar as análises. Os pijaminhas não se deixam intimidar pelas batas brancas e juram a pés juntos que aquela dor que dura há 2 meses hoje está diferente e é verdadeiramente insuportável. Enfim, os pijaminhas fazem-me sorrir.

Os Doentes
Os doentes raramente ficam na sala de espera…

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