sábado, 20 de novembro de 2021

A arte de governar contra a evidência

A ciência moderna reconhece 7 níveis de evidência científica. Os níveis de 1 a 3 são considerados os mais fiáveis. De 4 a 7 considera-se que a evidência é fraca, ou até mesmo ausente. A medicina baseada na evidência é hoje um facto indiscutível. O código deontológico dos médicos nunca me permitiria tratar um doente com uma terapêutica para a qual o nível de evidência é reduzido ou ausente. Paradoxalmente, é perfeitamente possível fazer políticas de saúde que atingem milhões de pessoas sem qualquer registo de evidência científica.

Hoje, eu pertenço a um grupo crescente de pessoas aos quais chamarei "EVIDENCIONISTAS". Os evidencionistas são pessoas de todos os credos e espectros políticos. Há cientistas, artistas, jornalistas, engenheiros, médicos, enfermeiros, comentadores políticos, académicos, empresários... Este grupo, que em grande parte vive no anonimato, reúne-se em sessões e tertúlias "clandestinas", com o objetivo de se pasmar, incrédulos e em conjunto, com as políticas de saúde pública que vão sendo tomadas ao sabor da maré. Se os tempos fossem outros, seriamos chamados de "resistência".

Os evidencionistas não são negacionistas. A epidemia existe. Os evidencionistas também não são conspiracionistas, nem acreditam que as vacinas contêm chips 5G, para controlo populacional. Os evidencionistas não são anti-vax, mas têm evidências de que o processo está cheio de atropelos às boas-práticas e que os efeitos a longo prazo são ainda desconhecidos. Os evidencionistas sabem que para já, as actuais vacinas diminuem a doença grave e a mortalidade. Os evidencionistas sabem que uma vacina que não impede a infecção nem a transmissão não deve ser administrada a um grupo populacional que não necessita, as crianças. Os evidencionistas têm evidência suficiente para demonstrar que os actuais certificados de vacinação não servem para nada, que a eficácia das máscaras ainda não está minimamente comprovada e que uma máscara que filtra os vírus da gripe mas não filtra os outros virus respiratórios ainda não foi inventada. Os evidencionistas também sabem que os confinamentos não funcionam e que alterar os horários do comércio e da restauração para controlar a disseminação é no mínimo ridículo. Os evidencionistas sabem que as actuais estratégias políticas têm um preço demasiado elevado na saúde mental da população, sabem que há mortalidade excessiva não relacionada com o vírus e sabem que morrer da doença é diferente de morrer com a doença. Os evidencionistas não são parvos... são apenas uma classe à parte, que acredita na utopia de uma política de saúde baseada na evidência.

O maior inimigo dos evidencionistas é a epidemia da desinformação. E de todos os tipos de desinformação, nenhuma é mais perigosa e insidiosa do que a desinformação patrocinada e disseminada pelo próprio estado e pela comunicação social. Dizer que hoje morreram 30 pessoas, e esquecer de referir que todas tinham mais de 80 anos e doenças associadas, é como dizer que a vida na terra vai acabar...um dia. Dar informação incompleta sem declarar o seu nível de evidência, ocultando os dados essenciais necessários para a sua total compreensão é desinformar, é induzir em erro, é manipular… é Propaganda.

Infelizmente a Propaganda não é um fenómeno novo. A história está repleta de regimes propagandistas que manipularam e manipulam a informação para induzir as massas num prolongado coma coletivo. Estudos recentes (com razoável grau de evidência) apontam que a esmagadora maioria da população se sente bem informada… mas, assustadoramente, admite que a sua principal fonte de informação são as televisões e os jornais, nada mais nada menos que os principais órgãos da propaganda.

É como viver no “Matrix”, sem se perceber que há um mundo real para lá da ilusão criada, e ao contrário do que se possa imaginar, o grande veículo da desinformação não são as redes sociais... são as televisões, os jornais e as conferências de imprensa. Convém não esquecer que um grande número de vítimas desta onda de desinformação, pertence a uma geração que nem tem acesso às redes sociais. Eu e os meus novos amigos evidencionistas somos como o Neo e a sua tripulação, escolhemos viver fora da matriz.

Por exemplo: um artigo dos últimos dias, amplamente disseminado pela máquina da propaganda, em véspera de reunião no Infarmed, alega que as máscaras reduzem o risco de infeção em 53%. Faltou dizer que o nível de evidência é 6... ou seja, não tem qualquer valor científico... mas tem valor político.

 Enquanto a comunicação social amplifica estudos não credíveis, os políticos escolhem a dedo as recomendações da OMS… aplicam-se apenas aquelas que vão a favor da narrativa oficial, as outras omitem-se, como se não fossem ciência… ou evidência. 

Até 1755 estava enraizada a crença popular de que os desastres naturais eram fruto da ira divina contra os pecadores. Poucos saberão que foi o então primeiro-ministro, Marquês de Pombal, que pela primeira vez adotou uma abordagem científica à catástrofe que assolou Lisboa, e com isto abriu as portas à ciência da sismologia moderna.

Fazem falta políticos como o Marquês porque os evidencionistas como eu vão perder esta batalha. Não se combatem mísseis com pedras. A máquina da propaganda traz consigo um arsenal formidável impossível de combater. Para lá dos tentáculos da censura, da manipulação da informação, da rotulagem negativa e da descredibilização das vozes evidencionistas, há já um incansável exército zombie convertido que se encarrega da restante caça ás bruxas. 

Enquanto perdemos e não perdemos, recomendo vivamente que leiam os artigos do  https://theblindspot.pt/ 

Para os que não estão familiarizados com a análise dos níveis de evidência dos artigos científicos, eles fazem o trabalho por vocês. Para quem tem dificuldade em distinguir o trigo do joio, este site é uma das poucas fontes de informação credíveis, que se dedica à análise dos dados e da evidência, colocando cada coisa no seu lugar. Não custa nada fazer um esforço para sair do coma porque de qualquer forma só daqui a muitos anos haverá tribunais. Nessa altura dirão que estavam a seguir ordens, que as intenções eram as melhores, que os vizinhos fizeram o mesmo, que a evidência parecia suficiente... a história repetir-se-á.


sábado, 27 de junho de 2020

Fatalidades da vida

Sinceramente, não percebo todo este alarido à cerca dos novos casos de COVID. Mas será que ninguém percebeu que achatar a curva implica estender no tempo ?

Qualquer aluno do 12° ano saberá que a área por baixo da curva (a integral da equação) que representa o número total de casos é a mesma seja a curva mais ou menos aplanada. Ao aplanar esticamos o fator tempo. Ou seja, é óbvio que vai haver novos casos por meses a fio... não vejo onde está a surpresa. E a maioria dos casos vão continuar a ser moderadamente benignos ou assintomaticos.

Basicamente, a partir do momento em que um vírus como este atinge uma população sem imunidade, há como que uma sentença em termos de percentagem da população que vai ser atingida, e isso, é indiferente das medidas tomadas. É uma questão de tempo. E o único factor que poderá alterar essa sentença, é uma vacina que obviamente não estará disponível tão cedo. Podemos chamar Karma, destino, fatalidade... vai dar tudo ao mesmo. Podemos ter a ilusão de estar a contornar a natureza, mas na verdade, o destino está traçado.

Reconheço que há como que um certo fatalismo neste processo que parece ser politicamente incorrecto de assumir, mas que em nome do esclarecimento da população já devia ter sido comunicado. A ideia nunca foi resolver isto ( leia-se erradicar o vírus) em 3 meses !!!

Todas as medidas tomadas (aplanar a curva) para evitar a propagação e proteger a capacidade do SNS têm um preço, económico e social. E quanto mais não seja estendem a pandemia no tempo até que um equilíbrio seja encontrado. Isto não é de agora. A humanidade evoluiu assim, encontrando equilíbrios com Virus, bacterias e fungos. Hoje, com as vacinas, temos a possibilidade de criar equilíbrios artificiais... mas para este, ainda não há vacina.

Independentemente da forma como os países reagiram ao primeiro impacto, na verdade o que fizeram foi aplanar mais ou menos uma curva, que mais ou menos se vai estender no tempo, na mesma razão. Portanto não pensem que aqueles Paises “mais bem sucedidos” já estão arrumados. Não estão. O número de casos vai continuar a crescer até se atingir o tal número fatal que o “vírus já trazia consigo“ quando aqui chegou independentemente de termos ou não aplanado a maldita curva. Até ao equilíbrio, isto não acaba.

Em resumo... não vale a pena continuar a bater no governo, na ministra e na DGS, na malta que vai à praia ou faz festas no quintal. Isto não é culpa deles. Acreditem ou não, até haver uma vacina, o vírus vai atingir todos aqueles para o qual “já vem programado“. É uma questão de tempo. Com ou sem máscara, com ou sem distanciamento, com mais ou menos álcool.

Até lá, protejamos os mais vulneráveis, os idosos, os Imunodeficientes, os portadores de doencas crónicas, mas deixem o alarmismo de lado. Estes em particular precisam ganhar tempo. E é isto que estamos a fazer. Ganhar tempo até que haja um tratamento ou uma vacina. Podemos atrasar a propagação, a um preço economico e social que podemos ou não estar disponíveis para pagar, mas não deixa de ser uma fatalidade, e sim, faz parte da vida. Até lá, ganhemos tempo, para os que mais precisam, mas de forma inteligente, sem colocar todos no mesmo saco.


quarta-feira, 25 de março de 2020

COVID-19... as contas que ninguém fez

Este poderia ser apenas mais um texto alarmista sobre o dito cujo virus, mas quiseram os meus 2 neurónios (Tico e Teco) fazer as contas que aparentemente os nossos governantes (e os dos outros) ainda não fizeram.

Um estudo, recentemente publicado por um professor de finanças do Instituto de Estudos Sociais e Económicos, traça 3 cenários económicos para Portugal conforme a duração deste AIT económico (acidente isquémico transitório). No cenário optimista o PIB cai 4% e o desemprego sobe para 8,5%. No cenário intermédio o PIB cai 10% e o desemprego sobe para 10%. No pior cenário o PIB cai 20% e o desemprego atinge 13,5%.

Para terem uma ideia, 4,5% do PIB são cerca de 10 mil milhões de euros, qualquer coisa como todo o orçamento do estado para a saúde em 2019 (actualmente são cerca de 11 mil milhões). Isto são apenas as perdas do PIB. A somar a isto há todos os apoios que serão prestados ás empresas, actualmente no valor claramente insuficiente de 3 mil milhões. Ou seja, assim como quem não quer a coisa, num cenário optimista isto vai custar-nos pelo menos 13 mil milhões de euros. Este é o custo, da falta de preparação...

Andamos agora a comprar ventiladores à pressa, a expandir e equipar unidades de cuidados intensivos, "a criar hospitais de campanha", a recrutar médicos e enfermeiros e outros profissionais de saúde. Faz-me sempre lembrar a história do seguro automóvel. Fazemos um seguro contra terceiros, porque é mais barato, e esquecemos que no dia em que o carro levar uma cacetada à seria, gostaríamos de ter feito um seguro contra todos os riscos...

Então não teria sido mais sensato, preparar o serviço nacional de saúde ao longo dos anos? Quantos hospitais e unidades de cuidados intensivos e centros de saúde poderíamos ter construído com 13 mil milhões de euros ??? Dezenas... que teriam servido melhor a população no dia-a-dia, e nos garantiriam um elevado estado de preparação para quando a desgraça acontece... e pronto, nem vou falar no próximo sismo de Lisboa. A realidade é esta, temos 4,2 camas de cuidados intensivos por cada 100.000 habitantes quando a mediana europeia é 11,5 por cada 100.000, e no extremo temos a Alemanha com 29,2. Poderíamos ter no mínimo o dobro,  se o dinheiro fosse bem utilizado.

Mas a questão que está verdadeiramente aqui a baralhar o Tico e o Teco é outra: qual é a taxa de letalidade que nos faz mudar procedimentos, rotinas, e nos coloca a todos em casa ???

Não é uma questão nada simples. A gripe matou em Portugal 3000 pessoas o ano passado. Poderíamos ter evitado estas 3000 mortes se tivéssemos lavado as mãos, ficado em casa e colapsado a economia, mas não o fizemos. Talvez porque influenza já é um título batido e a comunicação social não lhe pega... este era novo, tem direito a telejornais inteiros. O número de mortos em Portugal, pelo dito cujo, conta-se no momento pela meia centena. Imagino que não chegará nem perto dos 3000... e agora? O que faremos na próxima época de gripe? 

Desconfio que vamos aprender muito quando isto passar. A futura análise serológica da população vai provavelmente revelar que a mortalidade afinal fica abaixo de 1% dos casos infectados (quanto mais testarmos, maior será o denominador, menor será a mortalidade), e nem toda a população foi infectada... Se algum membro do Governo ou do parlamento estiver a ler isto, recomendo uma sessão de reflexão... decidam se faz favor qual é o gatilho para fechar um país? 1%, 5%, 10% ?

E já agora, da próxima vez que pensarem em (des)investir na saúde, lembrem-se do CORONA...o País agradece, o pessoal de saúde agradece, o turismo agradece, os desempregados agradecem... e os pais dos alunos em casa também.



quinta-feira, 12 de março de 2020

O copo meio-cheio

Estamos naquele ponto de saturação onde já ninguém pode ouvir falar de #$%&#-19 e no entanto mais do que nunca é importante falar sobre o medo, a realidade, e a esperança.

Nos últimos dias várias pessoas me têm perguntado se mantenho o meu optimismo em relação ao que se está a passar, e a resposta é invariavelmente a mesma. Sim, acredito que não vai ser o fim do mundo. E não, não estou a desvalorizar os factos, mas sim a colocá-los em perspectiva. 

Revoltei-me contra o papel da comunicação social enquanto veículo do medo, e mantenho a opinião de que encontraram um filão de audiências que vai durar umas largas semanas. No entanto, já vejo por entre alguns jornalistas um esforço crescente para combater a desinformação e mais do que fornecer números, prestar informação útil a quem dela realmente precisa. Mas infelizmente, nos dias que correm, propagar a realidade, não chega.

A realidade nua e crua é no mínimo um gosto adquirido, e não é algo para a qual a maioria das pessoas esteja minimamente preparada ou equipada para interpretar. Aquilo que até há bem pouco tempo era um léxico quase exclusivo dos profissionais de saúde, quartos de pressão negativa, ventilação assistida, quarentena, isolamento, curvas epidemiológicas, solução alcoólica, hoje faz parte do quotidiano e das conversas de grande parte da população. Mas será que esta injecção forçada de realidade, de novos conceitos,  de novos medos está devidamente digerida ? Não me parece.

Levei vários anos, até que um copo com água pelo meio, me parecesse um copo meio-cheio. Durante muito tempo via os copos meio-vazios. Do ponto de vista meramente técnico, aquilo a que chamarei a realidade, o copo, de facto, tinha água pelo meio, mas aprendi que não havia qualquer vantagem em vê-lo meio vazio... pelo contrário. A ideia do vazio é como uma âncora que não nos deixa partir, impede-nos de ver mais além.

Reportar esta pandemia de forma nua e crua como vejo todos os dias, com números exactos que crescem a cada hora tem exactamente o mesmo efeito. A maioria das pessoas verá o copo meio vazio, e não há como escapar, é inato. Estamos a trazer à superfície o que há de pior da espécie humana... o egoísmo, o medo e a agressividade.

Portanto, vou continuar neste meu canto, a ver as coisas da seguinte forma: há 1,4 mil milhões de pessoas na China que não foram infectadas e o número de novos casos continua a diminuir de dia para dia. Há 60 milhões de Italianos que não foram infectados. Dos que se infectaram, e especialmente aqueles com mais de 80 anos, 86% estão em casa com os filhos e com os netos a ver televisão. As crianças continuam a não desenvolver doença grave. O número de infectados em Portugal ao dia de hoje não enche um autocarro da Carris. Somos 7 mil milhões de pessoas na terra, mas o número de infectados em todo o planeta, ainda não enche o maior estádio de futebol do mundo, e o número total de mortos até hoje, é inferior ao número de pessoas a bordo de alguns navios de cruzeiro. As medidas tomadas pelas autoridades de saúde em Portugal têm conta peso e medida. Há erros, mas há também lições aprendidas, e temos capacidade técnica para lidar com este surto, mesmo com os recursos disponíveis. Haverá escolas fechadas e tele-trabalho, mas há quanto tempo não têm tempo de qualidade com os miúdos ? Há quanto tempo não lêem um livro em conjunto ?  Façam isso ! Lavem as mãos como os cirurgiões ! E pensem que há meio mundo a investigar uma vacina, e outro meio mundo a trabalhar na cura. 

Lembro-me, aqui há uns anos atrás, daquela onda de patriotismo futebolístico que uniu todos os Portugueses á volta de uma ideia, de um sonho, de uma vontade de vencer... bandeiras em cada janela... esperança em cada esquina... Será que não é esta a hora para levantar a cabeça ? Acordem porra ! O copo está meio-cheio !!!






quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Coronavirus e porque vamos todos morrer...

Basta um título sensacionalista para enganar o povo.
Sim, vamos todos morrer... um dia. E isto, porque aparentemente e até hoje, nunca ninguém sobreviveu à própria vida, mas não me parece que vamos todos morrer com o coronavirus.


Diariamente tenho visto os meios de (des)comunicação social num verdadeiro e incauto festim de alarmismo público à conta deste coronavirus. Imagino que os mesmos não façam a menor ideia do mal que estão a causar e ainda não vi nenhum esforço para acalmar as hostes. Estamos no limiar do ridículo e não há ninguém que se atreva a dizer que o rei vai nu.

Pior, a comunicação social ainda não percebeu que à sua conta os politicos estão a ser pressionados a tomar decisões estúpidas para não parecer que não fizeram nada...

Caro e incauto leitor atraído a este blog pelo titulo sensacionalista, aqui fica a minha mensagem: Todos os anos os virus relacionados com a gripe viajam de este para oeste, a partir da Ásia, para a Austrália, Europa, África, América do norte e América do sul... e é assim TODOS OS ANOS !

TODOS OS ANOS os virus da gripe infectam entre de 5% a 15% da população mundial, com cerca de 3 a 5 milhões de infecções graves e cerca de 500.000 mortos !!! TODOS OS ANOS temos uma PANDEMIA ! SIM ! VERDADE !

No ano passado, 3.000 pessoas morreram em Portugal devido à gripe, 11.000 pessoas morreram em Itália, e nos últimos 5 anos, 85.000 pessoas morreram no Reino Unido... devido à gripe !!!

Aconselho vivamente a olhar para a letalidade de virus comparáveis... 
MERS - 34%
SARS - 10%
Gripe 1918 - 2.5%
Covid-19 - 2.3%

Mas poderão dizer... 2.3% ainda é um valor alto. Sim é verdade, e de facto a mortalidade só pode ser calculada após o final da epidemia... mas é tudo uma questão de fazer contas e apresentar os resultados de forma compreensível, senão vejamos:

A cidade de Wuhan, epicentro da infecção tem cerca de 11 milhões de habitantes, e até agora registaram-se cerca de 78.000 casos, ou seja 0.7% da população, sim, leram bem, basta fazer as contas. Agora olhemos para a população chinesa... 1.4 mil milhões de pessoas... e 78.000 casos... logo, 0.06% da população foi infectada, e já lá vão 3 meses de surto.

De facto a mortalidade em pessoas mais idosas (acima de 80 anos) é relativamente elevada e ronda os 14.8%, mas atenção porque este número quer dizer que se a pessoa for infectada tem esta probabilidade de morrer... Acontece que se eu viver em Wuhan, no epicentro da epidemia, tenho 0.7% de probabilidade de me infectar e, se me infectar, tenho 14.8% probabilidade de morrer, se tiver mais de 80 anos. Ou seja uma pessoa de 80 anos em Wuhan tem 0.1% de probabilidade de morrer devido ao coronavirus (0.7% x 14.8%). Agora façam as contas para as outras faixas etárias, e imaginem que não estão no epicentro... porque de facto, não estão !

Meus senhores, sim vai ser uma pandemia, como todos os anos, e não, não vale a pena fazer nada de diferente em relação ao que já devíamos fazer todos os dias, isto é medidas de higiene básica, como lavar as mãos com frequência e proteger a boca com um lenço quando espirramos. E sim, a esmagadora maioria das pessoas infectadas vai ter aquilo que tradicionalmente chamamos uma constipação, e sim, muita gente nem vai perceber que já tem o virus.

Portanto, como eu costumo dizer, vale pelo esforço, e à conta disto estamos a testar mecanismos que um dia podem vir a ser necessários para algo sério, mas dito isto queria lançar um repto à comunicação social... se querem mesmo continuar por este caminho, recomendo que no próximo inverno comecem a seguir a propagação do virus da gripe a partir do sudoeste asiático, entrevistem todos os portugueses que se constiparem no estrangeiro, e já agora passem o contacto ao nosso PR e MNE para também poderem mostrar a sua solidariedade e enviar uns lenços de papel e umas aspirinas para a febre. Contabilizem diariamente a mortalidade  e verão uma realidade que aparentemente desconhecem. Como dizem os ingleses... deixem-se de merdas e façam parte da solução em vez de fazer parte do problema.





sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

A eutanásia, o homem e o médico

Preferia mil vezes não ter que escrever este texto, e só o faço porque o tema toca algo que considero um direito pessoal e intransmissível, a vida humana e a sua dignidade.

É importante começar por dizer que esta é uma questão de carácter filosófico, e como todas as questões filosóficas, podemos todos argumentar, mas não há certo nem errado. Há apenas opiniões, mais ou menos sustentadas num quadro de crenças, valores e conhecimento de causa.

É indiscutível o facto de que viver é uma opção. Qualquer pessoa pode optar por terminar a vida, quando bem entender e da forma que entender, sem que para isso tenha que pedir autorização ao estado. Da mesma forma, o estado não pode condenar essa decisão. Que ridículo seria um texto legal com a seguinte forma: "Pelo crime de suicídio, o réu é sentenciado a 2 anos de prisão".

Partindo portanto do pressuposto de que a opção de viver é pessoal, e por inerência, também o direito à morte, coloca-se aqui a questão do papel do médico. Ora os médicos são seres humanos tal como os doentes, e são todos diferentes entre si, tal como os doentes. Dito isto, aquilo que aqui escrevo, é a minha opinião pessoal como médico, num país onde a liberdade de expressão ainda é possível.

Serei contra a eutanásia, no dia em que toda as patologias tiverem cura. Até lá, acredito que, no quadro clínico adequado, a vontade do indivíduo na posse de todas as suas faculdades mentais deve ser respeitada.

Infelizmente, e falo por experiência própria, eu e outros médicos, somos confrontado com inúmeras situações nas quais, por doença ou traumatismo, a qualidade de vida e a dignidade humana ultrapassaram o limiar do tolerável para esse mesmo indivíduo.

Viver sem dignidade, sem qualidade de vida e talvez o mais importante, sem esperança, acreditem, é uma forma de tortura que não desejo a ninguém. Estar preso a uma vida que nada acrescenta, que não tem melhora possível, e que se degrada a cada dia, é uma dor que apenas poderá ser descrita como indiscritível.

Enquanto médico, jurei respeitar a vida e aliviar o sofrimento. Mas o que fazer quando não podemos atender aos dois em simultâneo ? O que fazer quando a medicina nada mais tem a oferecer e o doente pede para acabar com a tortura ? E se o pedido vier de alguém que amamos muito ? E se for aquele doente com quem temos o privilégio de uma relação aberta, franca, e de total confiança ? E se o doente formos nós próprios, médicos, conhecedores do que nos espera... ? Vamos obrigar a pessoa a um sofrimento para o qual não temos solução ? em nome do quê ???

Acredito piamente, que obrigar alguém a viver contra a sua vontade, num cenário sem opções, devia ser um crime, tal como a tortura o é, mas infelizmente, a nossa herança judaico-cristã (que, diga-se de passagem, tanto torturou no passado), na melhor das hipóteses, tolda-nos o pensamento. Somos quem somos, fruto da nossa cultura e referenciais de valores. 

Talvez porque decidi dedicar a minha vida à causa humanitária, tenho o privilégio de ser constantemente exposto a outras formas de ver a vida, o sofrimento e a morte. Acho que dar a opção de uma morte digna quando nada mais há a fazer, e é a vontade expressa pelo doente, é revelador de uma sociedade evoluída que se preocupa com os seus cidadãos. 

Não tenho filiação partidária nem clubista. Não posso, nem nunca ousaria falar por todos os médicos. Tenho bons colegas e amigos, excelentes profissionais que muito prezo, que não concordam comigo, mas como comecei por dizer, pode não haver certo nem errado, mas é importante que haja, o direito de optar. 




quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Dream Job

Algures no passado escrevi por aqui que mais cedo ou mais tarde, este blogue ia parecer morto... qual assistolia premeditada pelas circunstancias da vida. Assim foi. Faço portanto hoje o papel de Deus ou Médico (consoante a preferência do eventual leitor, se ainda os houver) e eis que ressuscitamos o dito cujo, sabendo porém que nada é eterno, a não ser o amor, a estupidez humana... e talvez a morte.
Não estou ainda preparado para falar dos últimos três anos e meio da minha vida, e talvez não seja este o lugar para o fazer. Falarei portanto sobre os últimos cinco meses, e como após uma overdose de cirurgia de guerra no Congo, dei por mim a sentir que era altura de abraçar um outro "dream job". Digo outro, porque na verdade já tinha um. O inconformismo, a busca constante pelo próximo nível, a dúvida persistente e o desafio de perceber até onde somos capazes de ir são o maior inimigo do homem de família.

Abremos (?) então um sub-capítulo denominado "As coisas inúteis que eu aprendi sobre o mundo e sobre mim próprio, incluindo o facto de me começar a faltar vocabulário em português"

Aqui vai. Pagam-me em dólares, transferem-me em francos suiços e levanto em euros. Tenho os bolsos cheios de moedas que já não sei de onde vêm. De vez em quando esvazio tudo para um saco para um dia fazer qualquer coisa artística com elas. As notas, que habitualmente também não valem quase nada, vou guardando para uma próxima viagem mas depois consistentemente esqueço-me de as levar e acho que vou acabar por fazer um quadro. Tenho dois telemóveis com três cartões SIM, de três países diferentes.
Não tenho casa. Passei a viver em hotéis. Confesso que era um sonho de jovem adulto inconsciente. Os quartos e as camas de hotéis sempre me fascinaram. As toalhas imaculadas os lençóis brancos, os colchões fofinhos, as almofadas, os frasquinhos do shampoo e os sabonetes... mas hoje quando me perguntam onde moro não sei responder. Quando me perguntam onde passo mais tempo, também não sei responder. Quando em desespero de causa desferem a questão fatal, onde estão as tuas coisas ? respondo que algumas estão na garagem dos meus pais, e as outras andam comigo a passear pelo mundo em duas malas. Sou um nómada dos tempos modernos, finalmente e literalmente um homem de mochila ás costas como diz a Marta.

Nem tudo são rosas. Descobri uma série de preocupações e irritações. É preciso planear a lavagem da roupa, porque a mesma tem que estar lavada e entregue antes do check-out, porque as malas são pequenas e logo a autonomia higiénica não ultrapassa os dez dias. Em alguns hotéis a ausência de tomadas junto à cama é desesperante. O telemóvel fica a carregar longe, e a tentativa de fazer snooze obriga-me a levantar o que logo à partida inutiliza esta maravilhosa função inventada para quem como eu aprecia o prazer de não se levantar nos primeiros minutos depois do toque do despertador. É paradoxal levantar-se para fazer snooze. Adicionalmente irrita-me acordar, e antes de abrir os olhos não saber onde estou. Logo eu que começo devagar de manhã... desata-me o cérebro a carburar intensamente para perceber em que país, em que hotel e em que dia estamos. Já nem vou referir o facto de que no médio oriente o fim de semana é à sexta e ao sábado, e o domingo é o primeiro dia de trabalho... algo que até hoje não consigo processar do ponto de vista das emoções mais primarias. Comecei a comer coisas estranhas ao pequeno almoço, tipo salada, arroz, sushi ou legumes. O porco e os derivados desapareceram da dieta. Em vez disso há humus, falafel, pepinos e azeitonas. Os sumos do pequeno almoço dão-me refluxo gastro-esofágico. Voar acentua o refluxo. Voo tanto que ja ultrapassei o limite do Start Alliance Gold Super Elite VIP Exclusivo Hiper Mega Especial... portanto evito os sumos mas tenho que voar com o omeprazol... e uma pequena farmácia. As aventuras gastronómicas já são relativamente bem toleradas, devo estar imune a quase tudo, mas pago um preço alto pelas mazelas musculares da classe económica.

Apesar de haver um certo equilíbrio entre o numero de homens e mulheres no mundo, quando voo, habitualmente tenho um homem ao lado. Há uma certa ordem estatística que me esforço inutilmente por tentar compreender, mas é assim. Voo quase sempre à janela na parte de trás do avião. A minha lógica interna diz que terei mais possibilidades de sobreviver em caso de queda... seria mais uma história para contar. Entretanto percebi que já não consigo ler sem óculos no avião. Não ha distancia suficiente entre as duas cadeiras para afastar a revista ou o jornal ao ponto de se tornar legível. Já tenho óculos espalhados em todo o lado. O telemóvel já tem as letras no máximo. Talvez seja da falta de vista, mas claramente a beleza e a forma física das assistentes de bordo deixou de ser um critério de seleção nas companhias aéreas. De todas as companhias que já voei, as assistentes mais feias do mundo são da Air Niugini... não há como não reparar... mas felizmente não tenho voado muito por ali. A beleza ainda é um critério em algumas companhias ricas do golfo, mas no oriente médio, onde me encontro, a maioria das assistente são homens com ar de poucos amigos. A turbulência não me afeta e a comida já a vejo como caseira. Comprei uns phones XPTO com cancelamento (?) de ruído e é como se estivesse em casa. O meu rabo já tem o formato de uma cadeira de classe económica e a bexiga é mega porque gosto de ir à janela e não gosto de incomodar o(s) homem(s) do lado quando estão a dormir. Estou adaptado.

Conheço os procedimentos de segurança de dezenas de aeroportos. O meu cinto não apita. Quase ninguém detecta os líquidos no necessaire. Sim, estão num saquinho de plástico, mas já não tiro para fora. Tem líquidos? Não. Ocasionalmente, habitualmente em Lisboa vá-se lá saber porquê, descobrem-me o necessaire. Digo que estão no saquinho da praxe, não sabia que era preciso tirar. Contas feitas a todos os voos, quase nunca tiro, excepto em Lisboa... têm uma fixação qualquer com os líquidos. No Cairo obrigam-me a descalçar umas duas vezes pelo menos entre a entrada do aeroporto e a porta de embarque. Dá-lhes prazer ver as pessoas descalças. Já não uso meias rotas. Fazem isso com toda a gente, mas depois são capazes de meter tudo no RX e não está ninguém a olhar para o ecran. Numa coisa são bons. Caçar isqueiros. Ja tentei passar mais de uma dezena de vezes com eles de todas as formas e feitios mais ou menos camuflados. Não adianta. Estão focados naquilo. E são bons na deteção de isqueiros. Ficam irritados, quase que obcecados. É uma espécie de ordem fundamentalista que se dedica à caça dos isqueiros, mas assim que se passa a segurança vira-se à esquerda e tem uma sala de fumadores onde toda a gente acende cigarros com isqueiros. Passei a levar fósforos e já não me irrito. Em Israel, onde a cultura de segurança é apertada, passo pela segurança como se fosse invisível, ninguém me liga. Não percebo.

No mesmo dia sou capaz de trabalhar em ingles, francês e espanhol. O meu árabe não ultrapassa a linha dos cumprimentos a que a etiqueta obriga, mas ninguém se incomoda com isso e ficam surpreendidos por eu conseguir ler e escrever em árabe sem saber o que estou a lêr ou escrever. Sou uma espécie de contra-analfabeto. Não uso taxis no médio oriente é roubo certo, quase como em Portugal. Usava Uber mas os satélites para a geo-localização da Uber ficaram marados com as areias do deserto e o desencontro com os motoristas passou a ser a regra. Mudei para o Careem, o Uber dos árabes, com satélites adaptados ás agruras da vida por aquelas paragens. No Cairo não há passadeiras nem semáforos. Atravessar uma rua a pé é um ato de fé, muita fé. Ensinaram-me o truque de atravessar ao lado de sotavento de um qualquer personagem local, de preferencia obeso e com ar de quem sabe o que esta a fazer. Tentei algumas vezes mas é arriscado porque os carros não abrandam nem se desviam. Vou para o trabalho com o Careem... são 5 minutos a ouvir passagens do Corão ou música tradicional. Entenda-se por tradicional qualquer musica que inclua a expressão "Habibi, habibi". Deixei de correr na rua. Aprendi a apreciar as passadeiras rolantes dos ginásios. Correr na rua no médio oriente é meio caminho andado para ser abatido a tiro ou deixar toda a gente em pânico. Conheço sítios fantásticos para comer, petiscar ou beber em Ramallah, Gaza, Oman, Beirute, Aman, Islamabad ou Kabul... mas o que me dá saudades é o entrecosto grelhado o cozido e o bitoque.

Eu sei... é um modelo de vida esquisito, a familia não percebe, os amigos não compreendem, e eu próprio questiono... mas o que seria a vida sem um dream job ?