quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Factor X

Há uma expressão no Colégio Militar que define muito bem o sentimento que hoje me assiste. "A carneirada !"

Sei que não sou o típico adepto de futebol. Sou benfiquista nao praticante e sei o nome de mais jogadores do plantel do Néné, do Chalana, do Bento e do Humberto Coelho do que dos actuais titulares. Naquele tempo o Benfica tinha um ou dois estrangeiros, e o resto da equipa era o esqueleto da seleção nacional. Entretanto a equipa descaracterizou-se, passou a ser o esqueleto da seleção do Uruguai, do Paraguai, da Argentina, do Brasil, do Chile... E eu desliguei. 

O Eusébio já nao é do meu tempo e os da minha geração provavelmente nao se lembram de alguma vez o ter visto jogar, mesmo porque em meados dos anos 70 o Eusébio jogava no Beira Mar e acabou a jogar no União de Tomar que à data, era um clube da segunda divisão.

Reconheço no entanto, que do ponto de vista histórico, o Eusébio da mesma forma que a Amália era um símbolo vivo do estado novo. Portugal definia-se em três palavras, fado, futebol e Fátima e num tempo onde os computadores ocupavam salas inteiras, as comunicações eram escassas, a televisão começava ás 19 horas, e os jornais eram a preto e branco, o Eusébio era a figura nacional mais reconhecida além fronteiras.

Acontece que, por este andar, dentro em pouco, só Fatima nao estará representada no Panteão Nacional, e dai... talvez nos próximos tempos se lembrem da Irmã Lúcia, e encerra-se esta santíssima trindade ali para os lados de Santa Ingrácia.

Hoje idolatra-se tudo o que aparece na televisão mais do que uma vez. Idolatram-se aspirantes a cantores, aspirantes a cozinheiros, aspirantes a actores e personagens de reality shows sem ponta por onde se lhes pegue. Tarólogas, astrólogas, relações públicas, estilistas, jogadores de futebol, gente que aparece nas revistas cor de rosa e nas festas de verão... todos têm o tal factor x que gera a inveja alheia e como tal estão a meio caminho de serem idolatrados. A comunicação social tem culpa. Estas estrelas tipo cadente desviam a atenção dos verdadeiros astros.

Eu não concordo com a ida do Eusébio para o Panteao Nacional. Crucifiquem-me. Chamem-me preconceituoso. O Panteão nao pode ser o cemitério dos famosos. Nao deve. Nao era essa a ideia...Mas a carneirada já decidiu...

Inverteram-se os valores. A fama passou a ser um critério.

Antigamente, era a obra ! A postura ! Os actos de bravura ! Hoje, é o factor x.
Não vejo no Panteão Nacional o Marques de Pombal, o Fontes Pereira de Melo, os nossos prêmios Nobel, o Egas Moniz e o José Saramago, não vejo o Aristides de Sousa Mendes, não vejo o Almirante Gago Coutinho nem o Sacadura Cabral, a Beatriz Ângelo, e tantos outros com obra e feitos que marcaram a história deste pais, que fizeram de Portugal um lugar melhor ou mais culto, reconhecido pela ciência, pela inovação ou pelo humanismo.

Em breve teremos no Panteão Nacional nao só o Eusébio, que marcou muitos golos e levou Portugal ao terceiro, repito, terceiro lugar no campeonato do mundo de futebol, que é um dos melhores jogadores de sempre, sem no entanto ser o melhor, mas teremos também o Cristiano Ronaldo porque vai vaporizar os recordes do Eusébio e já é o português mais conhecido de sempre nos quatro cantos do planeta, teremos a Mariza e a Ana Moura que levam o fado onde este nunca tinha chegado, teremos com certeza o Mourinho, o melhor treinador do universo, Salgueiro Maia e os capitães de Abril, a Maria João Pires, o La Féria o Mário Soares e por aí adiante... a lista cresce todos os dias.

Reconheço que o Eusébio, durante 15 anos da sua vida, foi um grande futebolista, mas nao me reconheço na carneirada. Fica aqui a minha sugestão... Ponham beliches no Panteão Nacional, porque em breve, nao haverá lugar para todas as estrelas, sejam elas cadentes ou incandescentes.



3 comentários:

  1. Como eu o compreendo Dr. Nelson Olim. Crucifiquem-me também...

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  2. Concordo a 100% consigo. É lamentável que a maioria do povo deste país só se preocupe com estas coisas, e que não veja o estado miserável em que nos encontramos. Mas quando damos a nossa opinião, só nos faltam realmente crucificar, porque para eles os errados somos nós.

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  3. Caro Nelson companheiro de estrada.Nada do que dizes sai fora do mais sentido de lógica e responsabilidade.Não vale a pena eu fazer eco das tuas afirmações,expresso aqui,sómente,o orgulho que sinto ,com os meus 81 de ser "compagnon de route, "desse jóvem e inteligente clinico.
    Um abraço do:
    Costa-Pereira.







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