sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Al-morroides

Todas as profissões, atividades e áreas do conhecimento têm os seus termos técnicos e a sua nomenclatura própria. Este léxico, que contribui para a nossa riqueza linguística é um património muitas vezes acumulado ao longo de dezenas, por vezes, centenas de anos. Acredito que não existiu maldade nem segundas intenções nem um propósito mais ou menos obscuro, quando alguém criou os termos "Tomografia de Emissão de Positrões" vulgo PET, ou "Ecocardiografia Endoscópica Trans-esofágica", mas facto é, que quem não dominar a arte dos exames complementares de diagnóstico, simplesmente não chega lá.

Face ao exposto, parece-me algo correto afirmar que, o que faz com que determinado individuo seja considerado um perito, é, nem mais nem menos, e tão somente, o domínio dos termos técnicos da sua profissão. Pode não saber ao certo o que significam, mas se conseguir pronunciar os mesmos com autoridade, confiança, e sem se engasgar, é um perito! Aos olhos dos não peritos, dito leigos, este individuo, sabe do que fala! E dito isto não consigo esquecer a cena do saudoso Vasco Santana, perante o juri do seu exame de anatomia, pronunciando de uma só vez a palavra, esternocleidomastoideu, levando ao rubro o público que assistia ao seu exame. Temos Doutor! Obviamente!

Sempre me senti incomodado, com as pessoas, ditos peritos, que ao falarem com leigos na sua área, fazem questão de utilizar os termos técnicos que dominam na perfeição sem ter o cuidado de abrir e fechar um parêntesis que inclua uma breve explicação em português corrente. Isto aplica-se claramente aos médicos, aos advogados, aos economistas, aos engenheiros, aos arquitectos, aos mecânicos e até ás costureiras! Em verdade, isto aplica-se a quase toda a gente! Porque quase toda a gente fala daquilo que sabe, assumindo o principio que quem vai ouvir claramente também domina o tema, ou não! Quando sou confrontado com esse tipo de pessoas, habitualmente faço questão de dizer: "Se não se importa, explique-me como se eu tivesse 6 anos"... e aí a coisa complica-se.

Ainda agora na minha recente experiência vélica, dei por mim completamente fora da minha zona de conforto, quando de repente, começo a ouvir, "folga o gaio !!!", "caça o amantilho !!!", "a adriça do spi está enrolada na adriça da genoa !!!", "folga a alanta e caça a escota !!!". Percebem a questão ?! Se não dominamos a arte, estamos completamente a leste.

Acontece que vivemos em Portugal, e em Portugal o povo não se acanha. A malta cá, se não sabe inventa ! Desde que a coisa soe parecido, é sempre em frente e fé em Deus. Então na área de medicina o povo é verdadeiramente soberano e se alguns mais acanhados, tentam expressar-se em português corrente, utilizando expressões como "a boca do corpo", " a verga" e "a quebradura", já outros, convictamente lançam na conversa "a argália entupiu-se" ou "tenho uma ursula no diodeno". À conta da nossa sociedade de informação, o contrário também acontece. Ainda há bem pouco tempo, perante uma doente que tinha batido com a cabeça e não apresentava sinais de gravidade, quis tranquilizar a senhora dizendo, pode ir descansada, isso que tem na cabeça é apenas "um galo"... ao que a senhora fuzilou-me com os olhos e afirmou, não é um galo não senhor doutor, é um hematoma ! Palavras para quê ?

Isto tudo a propósito de um caso recente, em que uma paciente dizia-me assim, oh doutor, o meu marido fez um "taco", mas aquilo não deu nada, depois afinal foi preciso fazer um "cataclismo cardíaco" e acabou operado a um "aneurisma da aurora". Pensei para comigo, felizmente não foi necessário fazer nenhum "clister ao pato", não por causa da "soltura" ou da "ursa no estôgamo" que essa felizmente anda controlada, mas porque as "almorroides estão em carne viva" e meter um tubo pelo "anes" nestas circunstâncias é no mínimo chato. Pensei, mas não disse. Dizer, seria revelar sinais evidentes de "leucoencefalopatia aterosclerótica subcortical microangiopática"... ou seja, um parafuso da cabeça danificado pelo uso.





1 comentário:

  1. ...para não falar da forma como certas doenças podem ser contraídas, digo, apanhadas, seja em cadeiras quentes ou bancos do autocarro...
    Adorei!
    ;)

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