Em tempos tinha escrito numa pequena crónica Facebookiana, que um dia haveria de dissertar sobre o fim das relações. À minha volta, vejo muita gente a percorrer este longo caminho e desde há vários meses que ando a cozinhar esta ideia... e não me perguntem porquê, porque simplesmente não o direi, é apenas um facto que dou de barato. Sinto no entanto que, fruto de uma inspiração ocasional, acabei por ir um pouco mais longe, provavelmente porque concluí que o tema é demasiado complexo e não é fácil fugir à tentação de cair nos clichés habituais. Há coisas que não se aprendem na escola ou na faculdade, simplesmente aprendem-se com a idade.
Na produção cinematográfica e musical anglo-saxónica, deparamo-nos muitas vezes com a expressão "I love you", abarcando um conjunto de emoções que na tradução em Português oscilam entre o "gosto de ti" e o "amo-te", mas agora, à luz desta minha visão, creio que poderíamos livremente traduzir o "I love you" para um "sou louco por ti", porque no fundo, é tudo uma questão de espectro, o espectro do desejo, ou da loucura... se preferirem.
Estou portanto convencido, que existe um conjunto mais ou menos heterogéneo de sinais e sintomas que, em si, constituem um grupo de doenças que até agora não foram devidamente diagnosticadas. Decidi chamar-lhes DED - "Doenças do Espectro do Desejo"
Estou portanto convencido, que existe um conjunto mais ou menos heterogéneo de sinais e sintomas que, em si, constituem um grupo de doenças que até agora não foram devidamente diagnosticadas. Decidi chamar-lhes DED - "Doenças do Espectro do Desejo"
Reconheço que falar de desejo nos tempos que correm é demasiado perigoso, sei que me movo em terrenos pantanosos por demais pisados. Falar sobre desejo é falar sobre aquilo que toda a gente fala, escreve e canta! Provavelmente 90% das musicas que ouvimos no rádio falam de desejo... e quase todos os grandes génios da literatura já escreveram umas quantas linhas sobre o tema. Se eu não for crucificado por esta crónica, provavelmente não mais o serei...
As "Doenças do Espectro do Desejo" são características deste princípio de século XXI. São doenças do tempo dos telemóveis, do tempo das mensagens escritas e do tempo das redes sociais. Creio que o próprio Francesco Alberoni, se voltasse a escrever "Enamoramento e Amor" já o faria numa óptica diferente, aliás, ele fez, quase 30 anos depois, mas chamou-lhe "Sexo e Amor".
Estas doenças encontram as suas raízes em factores de ordem tecnológica, emocional e física. Um leitor mais atento poderá licitamente acusar-me de estar a misturar as coisas... bem, é verdade, eu misturo coisas, sou assim. As DED incluem por exemplo, a saudade, o ciume, o ciuminho (versão light), a paixão, o amor, o "adoro-te", o "quero-te", o "preciso de ti", o "dás-me pica", o "não consigo viver sem ti", o "fazes-me falta", o "não me és totalmente indiferente", entre tantas outras que seria exaustivo estar aqui a enumerar mas que facilmente conseguirão enquadrar.
O que têm todas estas doenças em comum ? Bem... elas basicamente refletem "síndromes de privação", muitas vezes fruto de relações terminadas ou mal resolvidas, ou nunca iniciadas e como qualquer síndrome de privação, a cura está no objecto do desejo, neste caso, o outro, seja ele legítimo ou ilegítimo, à luz das convenções culturais em vigor. Não há vacina para as DED, e estas raramente causam ressaca, tremores ou suores frios, as DED causam tristeza, angustia, sensação de vazio e um grau de variável de sofrimento consoante a escala aplicada. Habitualmente não matam, mas quando o fazem, dizemos que se tratam de crimes passionais.
Como é que lidamos com este tipo de privação?
Imagino facilmente um grupo de auto-ajuda... os EA - Enamorados Anónimos. Chegávamos lá e diziamos, Olá, o meu nome é Nelson e tenho uma DED... ao que todos responderiam em uníssono, Olá Nelson ! conta-nos a tua história. Provavelmente não iria resolver nada, mas pelo menos partilhávamos a nossa miséria, e a partilha, nestes casos, pode ser um bálsamo para a alma.
Acredito que não há uma estratégia única para lidar com isto, aliás, parece-me que homens e mulheres, ao longo do tempo, adoptaram estratégias radicalmente diferentes para "resolver" a situação. Os homens tendem a exteriorizar a questão, ou seja, partem em busca de um ou mais objectos de substituição, podem ser outras pessoas, actividades ou interesses. Uma vez que o desejo, de qualquer forma, não desaparece mesmo, o melhor a fazer é recanalizar em outra direcção. Facto é que o caminho parece ser mais ou menos sempre em frente, garantidamente penoso, certamente cheio de solavancos, mas sempre em frente. Já as mulheres, interiorizam a coisa. Focam-se no auto-domínio e no auto-controle do desejo. Procuram à força toda curar-se por dentro, livrar-se do raio do objecto através de uma purga disciplinada, metódica e sistemática. Pelo caminho tendem a agarrar-se com unhas e dentes a tudo o que lhe proporcione um mínimo de segurança e conforto emocional. As que têm Facebook, publicam muitas vezes fotografias dos seus gatos. Não me perguntem porquê, é apenas mais um facto constatado. Haverá provavelmente ainda um terceiro grupo... aqueles que sendo homens ou mulheres têm, respectivamente um "cérebro de gaja" ou um "cérebro de gajo". Este grupo é especial... e aqui as estratégias são combinadas e muito mais complexas, mistura-se o auto-dominio com a a fuga, a evicção com a substituição, tudo envolto numa certa dose de orgulho próprio e uma pitada de "vou fazer de conta que não existes".
O problema destas terapêuticas, já está mais do que identificado. O próprio Facebook, acaba de lançar duas aplicações que procuram ajudar os que por lá andam. "Killswitch" (podem seguir o link) é uma aplicação que apaga todas as referências ao outro, o tal do desejo. Promete tirar da vista tudo aquilo que não sai da cabeça ou do coração. De alguma forma, elimina todo o fluxo de mensagens subliminares de parte a parte. Acho que é para os verdadeiramente decididos, aqueles que reconhecem ter o problema, e querem mesmo, mesmo, curar-se. Quase simultaneamente, foi lançada uma outra aplicação chamada "Bang with friends". Aqui o objectivo é outro, entramos no campo da terapêutica de substituição. Identificam-se novos potenciais objectos de desejo, e quando há um match recíproco, ambos são avisados, para que possam, enfim... substituir. Estas novas tecnologias em prol da cura não param de me surpreender.