quarta-feira, 25 de março de 2020

COVID-19... as contas que ninguém fez

Este poderia ser apenas mais um texto alarmista sobre o dito cujo virus, mas quiseram os meus 2 neurónios (Tico e Teco) fazer as contas que aparentemente os nossos governantes (e os dos outros) ainda não fizeram.

Um estudo, recentemente publicado por um professor de finanças do Instituto de Estudos Sociais e Económicos, traça 3 cenários económicos para Portugal conforme a duração deste AIT económico (acidente isquémico transitório). No cenário optimista o PIB cai 4% e o desemprego sobe para 8,5%. No cenário intermédio o PIB cai 10% e o desemprego sobe para 10%. No pior cenário o PIB cai 20% e o desemprego atinge 13,5%.

Para terem uma ideia, 4,5% do PIB são cerca de 10 mil milhões de euros, qualquer coisa como todo o orçamento do estado para a saúde em 2019 (actualmente são cerca de 11 mil milhões). Isto são apenas as perdas do PIB. A somar a isto há todos os apoios que serão prestados ás empresas, actualmente no valor claramente insuficiente de 3 mil milhões. Ou seja, assim como quem não quer a coisa, num cenário optimista isto vai custar-nos pelo menos 13 mil milhões de euros. Este é o custo, da falta de preparação...

Andamos agora a comprar ventiladores à pressa, a expandir e equipar unidades de cuidados intensivos, "a criar hospitais de campanha", a recrutar médicos e enfermeiros e outros profissionais de saúde. Faz-me sempre lembrar a história do seguro automóvel. Fazemos um seguro contra terceiros, porque é mais barato, e esquecemos que no dia em que o carro levar uma cacetada à seria, gostaríamos de ter feito um seguro contra todos os riscos...

Então não teria sido mais sensato, preparar o serviço nacional de saúde ao longo dos anos? Quantos hospitais e unidades de cuidados intensivos e centros de saúde poderíamos ter construído com 13 mil milhões de euros ??? Dezenas... que teriam servido melhor a população no dia-a-dia, e nos garantiriam um elevado estado de preparação para quando a desgraça acontece... e pronto, nem vou falar no próximo sismo de Lisboa. A realidade é esta, temos 4,2 camas de cuidados intensivos por cada 100.000 habitantes quando a mediana europeia é 11,5 por cada 100.000, e no extremo temos a Alemanha com 29,2. Poderíamos ter no mínimo o dobro,  se o dinheiro fosse bem utilizado.

Mas a questão que está verdadeiramente aqui a baralhar o Tico e o Teco é outra: qual é a taxa de letalidade que nos faz mudar procedimentos, rotinas, e nos coloca a todos em casa ???

Não é uma questão nada simples. A gripe matou em Portugal 3000 pessoas o ano passado. Poderíamos ter evitado estas 3000 mortes se tivéssemos lavado as mãos, ficado em casa e colapsado a economia, mas não o fizemos. Talvez porque influenza já é um título batido e a comunicação social não lhe pega... este era novo, tem direito a telejornais inteiros. O número de mortos em Portugal, pelo dito cujo, conta-se no momento pela meia centena. Imagino que não chegará nem perto dos 3000... e agora? O que faremos na próxima época de gripe? 

Desconfio que vamos aprender muito quando isto passar. A futura análise serológica da população vai provavelmente revelar que a mortalidade afinal fica abaixo de 1% dos casos infectados (quanto mais testarmos, maior será o denominador, menor será a mortalidade), e nem toda a população foi infectada... Se algum membro do Governo ou do parlamento estiver a ler isto, recomendo uma sessão de reflexão... decidam se faz favor qual é o gatilho para fechar um país? 1%, 5%, 10% ?

E já agora, da próxima vez que pensarem em (des)investir na saúde, lembrem-se do CORONA...o País agradece, o pessoal de saúde agradece, o turismo agradece, os desempregados agradecem... e os pais dos alunos em casa também.



quinta-feira, 12 de março de 2020

O copo meio-cheio

Estamos naquele ponto de saturação onde já ninguém pode ouvir falar de #$%&#-19 e no entanto mais do que nunca é importante falar sobre o medo, a realidade, e a esperança.

Nos últimos dias várias pessoas me têm perguntado se mantenho o meu optimismo em relação ao que se está a passar, e a resposta é invariavelmente a mesma. Sim, acredito que não vai ser o fim do mundo. E não, não estou a desvalorizar os factos, mas sim a colocá-los em perspectiva. 

Revoltei-me contra o papel da comunicação social enquanto veículo do medo, e mantenho a opinião de que encontraram um filão de audiências que vai durar umas largas semanas. No entanto, já vejo por entre alguns jornalistas um esforço crescente para combater a desinformação e mais do que fornecer números, prestar informação útil a quem dela realmente precisa. Mas infelizmente, nos dias que correm, propagar a realidade, não chega.

A realidade nua e crua é no mínimo um gosto adquirido, e não é algo para a qual a maioria das pessoas esteja minimamente preparada ou equipada para interpretar. Aquilo que até há bem pouco tempo era um léxico quase exclusivo dos profissionais de saúde, quartos de pressão negativa, ventilação assistida, quarentena, isolamento, curvas epidemiológicas, solução alcoólica, hoje faz parte do quotidiano e das conversas de grande parte da população. Mas será que esta injecção forçada de realidade, de novos conceitos,  de novos medos está devidamente digerida ? Não me parece.

Levei vários anos, até que um copo com água pelo meio, me parecesse um copo meio-cheio. Durante muito tempo via os copos meio-vazios. Do ponto de vista meramente técnico, aquilo a que chamarei a realidade, o copo, de facto, tinha água pelo meio, mas aprendi que não havia qualquer vantagem em vê-lo meio vazio... pelo contrário. A ideia do vazio é como uma âncora que não nos deixa partir, impede-nos de ver mais além.

Reportar esta pandemia de forma nua e crua como vejo todos os dias, com números exactos que crescem a cada hora tem exactamente o mesmo efeito. A maioria das pessoas verá o copo meio vazio, e não há como escapar, é inato. Estamos a trazer à superfície o que há de pior da espécie humana... o egoísmo, o medo e a agressividade.

Portanto, vou continuar neste meu canto, a ver as coisas da seguinte forma: há 1,4 mil milhões de pessoas na China que não foram infectadas e o número de novos casos continua a diminuir de dia para dia. Há 60 milhões de Italianos que não foram infectados. Dos que se infectaram, e especialmente aqueles com mais de 80 anos, 86% estão em casa com os filhos e com os netos a ver televisão. As crianças continuam a não desenvolver doença grave. O número de infectados em Portugal ao dia de hoje não enche um autocarro da Carris. Somos 7 mil milhões de pessoas na terra, mas o número de infectados em todo o planeta, ainda não enche o maior estádio de futebol do mundo, e o número total de mortos até hoje, é inferior ao número de pessoas a bordo de alguns navios de cruzeiro. As medidas tomadas pelas autoridades de saúde em Portugal têm conta peso e medida. Há erros, mas há também lições aprendidas, e temos capacidade técnica para lidar com este surto, mesmo com os recursos disponíveis. Haverá escolas fechadas e tele-trabalho, mas há quanto tempo não têm tempo de qualidade com os miúdos ? Há quanto tempo não lêem um livro em conjunto ?  Façam isso ! Lavem as mãos como os cirurgiões ! E pensem que há meio mundo a investigar uma vacina, e outro meio mundo a trabalhar na cura. 

Lembro-me, aqui há uns anos atrás, daquela onda de patriotismo futebolístico que uniu todos os Portugueses á volta de uma ideia, de um sonho, de uma vontade de vencer... bandeiras em cada janela... esperança em cada esquina... Será que não é esta a hora para levantar a cabeça ? Acordem porra ! O copo está meio-cheio !!!